Planos locais

Planos locais vêm recebendo interesse crescente. Entretanto, a literatura disponível sobre o tema é relativamente escassa, especialmente no Brasil, que não tem tradição em realizar esse tipo de plano. Na verdade, não tenho conhecimento de nenhum exemplo por aqui de planos locais integrados aos planos mais gerais, em uma “rede integrada” de planos (KAISER; GODSCHALK; CHAPIN, 1995). Conheço alguns planos particularizados que visam requalificar ou reestruturar áreas específicas da cidade, mas na maioria dos casos eles limitam-se a propor novos desenhos para o sistema viário e os espaços públicos e, talvez, modificar os parâmetros urbanísticos mais quantitativos (coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação). Ficam muito aquém, portanto, de explorar o potencial dos planos locais*.

Definição

Um plano local pode ser entendido como um plano que, ao invés de abranger todo o limite do Município –  como os planos diretores – ou mesmo toda a área urbana, concentra-se em estabelecer objetivos e definir diretrizes para o desenvolvimento físico-espacial de um bairro ou região de uma cidade, podendo algumas vezes limitar-se a áreas ainda menores, tais como uma via e/ou alguns poucos quarteirões. Portanto, a área compreendida pelo plano, mais reduzida que os planos costumam ser, é a principal característica a definir um plano local.

Entretanto, essa característica implica em uma outra característica importante: os aspectos abordados nos plano locais costumam ser mais aprofundados e “personalizados” que os planos mais abrangentes. Enquanto estes precisam dar conta da diversidade de padrões e características de uma gama maior de situações urbanas, os plano locais podem concentrar-se nos aspectos mais relevantes para uma área específica e, dessa forma, prever objetivos e diretrizes mais sintonizados com suas características particulares.

O foco em uma área menor permite que maior atenção seja dada a aspectos que seriam excessivamente complexos e/ou demorados para serem trabalhados adequadamente em áreas maiores.

Além disso, a limitação de área permite que maior atenção seja dada a aspectos que, em áreas maiores, seriam excessivamente complexos e/ou demorados para serem trabalhados adequadamente, tais como a definição lote-a-lote das alturas das edificações ou o desenho de circulações e ambiências de espaços públicos. Mais abaixo veremos em maior detalhe alguns exemplos de elementos que podem ser abordados nesse tipo de plano.

Objetivos

  • Estabelecer uma visão clara do que a comunidade ou região deseja para o futuro, e como pretende que sejam seus espaços;
  • Aprofundar e fazer a sintonia fina das diretrizes mais gerais, de acordo com as especificidades de cada área da cidade, bem como estabelecer um referencial para a interpretação dessas diretrizes quando aplicadas a áreas específicas;
  • Revelar e explorar problemas, oportunidades e prioridades que não tenham sido revelados na etapa anterior de elaboração do plano mais geral;
  • Aprofundar a conformação de lugares, em sintonia com as aspirações e características sócio-culturais da população do lugar;

Aspectos abordados

Conforme comentado acima, os planos locais possibilitam o aprofundamento das questões espaciais de uma determinada área e, dessa forma, permitem que sejam considerados aspectos cuja operacionalização seria impossível em planos mais abrangentes. Esses aspectos podem incluir, entre outros:

  • Detalhes de desenho de elementos urbanos importantes para a estrutura espacial da comunidade, tais como traçados e perfis de vias; padrões de conexões entre canais de circulação; ambiências e suas interrelações em espaços públicos; localização, tamanho e forma das áreas de estacionamentos, etc.;
  • Diretrizes de uso e ocupação ao nível do lote, incluindo parâmetros quantitativos de ocupação (coeficiente de aproveitamento, taxa de ocupação, número máximo de pavimentos, etc.); padrões tipológicos permitidos e/ou incentivados (alturas, permeabilidade, posição das garagens, quantidade e tipo dos materiais, cores, etc.); relações de funcionalidade estruturadoras (eixos visuais, de permeabilidade ou de acesso; fachadas consideradas principais e de fundos; localização de áreas de serviço ou apoio, etc.);
  • Perfis e dimensões padrão para o sistema viário, incluindo quantidade e largura das pistas de automóveis; posição e largura das ciclovias; áreas de estacionamento; dimensão dos passeios; localização do mobiliário urbano; relações permitidas e/ou incentivadas entre espaços privados e públicos (afastamentos, muros, grades, cercas, muretas, permeabilidade visual e física, etc.).
  • Posicionamento de edifícios notáveis, tais como equipamentos urbanos e comunitários, e tratamento do entorno de forma propiciar acessibilidade, valorização espacial e apropriação.

Possíveis benefícios e malefícios

Além das vantagens óbvias relacionadas ao conteúdo, decorrentes da possibilidade de aprofundamento e maior resolução no estabelecimento de objetivos e diretrizes, os planos locais tendem também a permitir um maior envolvimento da comunidade na sua elaboração, especialmente por tocar em aspectos que estão diretamente relacionados ao cotidiano das pessoas. Pelo fato de os planos diretores mais amplos, em comparação, muitas vezes abordarem aspectos muito genéricos e, por isso, mais distantes da realidade da maioria dos cidadãos, eles acabam não despertando interesse de uma parcela considerável da população. Não são todos, por exemplo, que se interessam em pensar e debater os principais corredores de transportes, ou a distribuição de densidades no Município, ou ainda a regulamentação do instrumento da Transferência do Direito de Construir.

É preciso cuidado para que planos locais não estimulem iniciativas fragmentadas e atitudes “NIMBY”

Entretanto, é maior a probabilidade que os cidadãos se interessem em discutir aspectos específicos de seus bairros, tais como a altura dos prédios vizinhos, o projeto da praça, a configuração da rua comercial, os tipos de usos permitidos em cada local, etc. Assim, o potencial de participação da comunidade tende a ser maior em planos localizados.

Com relação aos riscos, o primeiro deles é o de transformar o planejamento numa verdadeira “colcha de retalhos”, ou seja, a possibilidade de que cada plano local seja desconectado do planejamento mais geral. Na verdade, esse é o cenário que encontramos atualmente no Brasil. A grande maioria, se não todos, dos planos localizados são pensados apenas em relação àquela área específica, fazendo pouca ou nenhuma referência às diretrizes mais amplas que buscam dar uma lógica geral para o desenvolvimento da cidade (até porque muitas vezes essas diretrizes simplesmente não existem). Dessa forma, acabam aparecendo uma série de planos fragmentados, com pouca relação entre si e o contexto mais amplo e que, apesar de pretenderem agir como “deflagradores locais de desenvolvimento”, acabam tornando-se projetos meramente pontuais com pouquíssima influência sobre dinâmicas urbanas mais abrangentes. Tornam-se sobretudo um foco de valorização imobiliária sem contrapartidas para a sociedade em geral, como é comum no caso das operações urbanas consorciadas (que podem, afinal de contas, ser consideradas planos locais).

Outro risco, de certa forma associado ao primeiro, é o de que seja estimulada uma atitude NIMBY (Not In My BackYard) entre os participantes, e que o papel da área em relação à cidade seja negligenciado ou mesmo negado. O envolvimento de moradores apenas de uma pequena porção da cidade e o foco nos seus problemas específicos podem facilmente degenerar para um plano excessivamente introvertido. Um exemplo clássico é o de comunidades que desejam evitar usos comerciais e edifícios maiores que dois pavimentos no seu bairro (apesar de serem, contraditoriamente, contra o aumento do preço da terra e desejarem toda sorte de infraestrutura e conveniências próximas a suas residências).

Exemplo: Nashville, Tenessee

 Abaixo podem ser vistas algumas imagens dos planos locais de Nashville, Tenessee.

 

Links

Referências bibliográficas

KAISER, Edward J.; GODSCHALK, David R.; CHAPIN, F Stuart. Urban land use planning. Urbana: University of Illinois Press, 1995.

 

* Se você tem conhecimento de planos locais brasileiros, por favor indique a referência nos comentários.

5 thoughts on “Planos locais

  1. Geisa Z. Rorato says:

    Bom dia Renato, tudo bem?
    O projeto Nova Luz em São Paulo, não poderia ser classificado como um plano local? Segue o link do site onde o projeto é apresentado.
    http://www.novaluzsp.com.br/

    Muito bom o tópico, sou professora de arquitetura e estou trabalhando com os alunos justamente um plano para um bairro, que se enquadraria dentro de um plano local.
    At.

    1. Renato Saboya says:

      Olá!
      Não conheço bem o projeto Nova Luz (o link não está mais funcionando), mas acredito que sim, pode ser considerado um plano local.

  2. Larissa says:

    Gostei muito do texto. Sucinto e bem escrito. Ando me interessando mais por urbanismo depois que terminei a faculdade. Estava pensando mesmo, que talvez soluções mais pontuais pudessem ser mais eficiente. Guardando em mente que esses planos devem estar de acordo com o macroplanejamento. Porém, como vc mesmo disse muitas vezes não existem macro-diretrizes!

    Parabéns por postar sobre o assunto. Vou dar uma olhado nos sites que vc linkou.

  3. Fernanda Guazzelli says:

    Olá Renato.
    Sou estudante de arquitetura e urbanismo e estou realizando meu TFG sobre planos locais. Gostaria de saber se atualmente você possui mais referências sobre esta temática, tendo em vista que sua postagem é de 2012.

    Atenciosamente

    1. Renato Saboya says:

      Infelizmente não, Fernanda.

Comments are closed.