Zoneamento e planos diretores v.2.0 – parte 3

No terceiro post da série sobre o zoneamento (os outros dois podem ser encontrados aqui e aqui), veremos algumas maneiras mais comuns pelas quais ele exerce controle sobre o uso e a ocupação do solo, incluindo parâmetros e limites por zonas, por regulação paramétrica e pelo sistema viário.

Os controles principais exercidos pelo zoneamento: uso do solo e intensidade da ocupação edilícia

Controle dos conflitos de uso do solo

Apesar de a mistura de usos ser amplamente reconhecida como interessante para a cidade, e até mesmo essencial, isso não significa que qualquer mistura de usos seja necessariamente desejada em qualquer local. A cidade possui áreas de intensa atividade comercial, áreas predominantemente industriais e também locais em que o uso residencial é predominante, normalmente fora das principais vias de conexão entre bairros. Por isso, o zoneamento é utilizado (entre outros instrumentos, tais como o Estudo de Impacto de Vizinhança) para controlar a localização dos diferentes usos e evitar que problemas aconteçam devido à incompatibilidade de atividades situadas muito próximas umas às outras.

Para isso, o plano diretor pode usar vários mecanismos:

  • Limitações por zonas, de longe a mais comum;
  • Regulação paramétrica;
  • Limitações pelo sistema viário;

Na limitação por zonas, os usos e atividades são divididos em categorias (residencial, comercial, industrial, agrícola, etc., e suas subcategorias) e cada zona possui diretrizes quanto à possibilidade ou não de abrigar cada uma delas. Assim, por exemplo, o zoneamento pode determinar que uma porção da cidade é passível de abrigar usos residenciais e comerciais de pequeno porte (padarias, mercearias, etc.), mas não pode abrigar usos comerciais de grande porte nem usos industriais. A Imagem abaixo mostra um exemplo de tabela de usos do solo e sua adequação ou não a cada uma das zonas.


Exemplo de limitações dos usos de acordo com as zonas. Na horizontal, as classes de usos e as atividades; nas colunas, as diferentes zonas. Fonte: Adaptado do Plano Diretor de Florianópolis – IPUF (2014).

Na regulação paramétrica, a permissão ou proibição para que uma atividade se instale em um determinado local é definida com base em parâmetros de incomodidade (por ex. nível máximo de ruído em decibéis). Sua aplicação no Brasil, entretanto, parece ser problemática, não apenas por questões de recursos e infraestrutura para a fiscalização pelo Poder Público, mas também pela falta de transparência que pode trazer (afinal de contas, nem todo mundo dispõe de um decibelímetro para saber se o bar ao lado da sua casa está de acordo com a legislação).

Por fim, os usos também podem ser controlados por meio da hierarquia viária. Nesse tipo de sistema, os usos e atividades são classificados em categorias de incomodidade, ou seja, são divididos segundo sua capacidade de gerar incômodo (ruídos, cheiros, trânsito, etc.) . A seguir, é aplicada a seguinte lógica:

  • Vias mais importantes (arteriais, primárias) são mais tolerantes à incomodidade;
  • Vias mais locais são mais intolerantes à incomodidade.

Essa maneira de controlar a possibilidade de locação de usos e atividades no sistema urbano possui a vantagem de ter um nível de resolução maior do que as zonas, isto é, conseguir ter um controle mais fino sobre as localizações permitidas ou não para cada tipo e porte de uso. As zonas, se não forem cuidadosamente desenhadas, podem, com muita facilidade, abranger várias quadras de maneira arbitrária, de modo que vias com papéis muito diferentes na malha acabem sujeitas às mesmas diretrizes.

Além disso, uma vez que esse sistema assume a regulação dos usos e desobriga as zonas de exercer esse papel, ele permite que estas sejam maiores, concentrando-se em regular a ocupação do solo e, talvez, áreas de interesse especial (comercial, social, ambiental, etc.) que não se encaixam bem na hierarquia do sistema viário.

Exemplo de restrições à incomodidade aplicados ao sistema viário. A primeira tabela mostra a classificação em níveis de incomodidade, exemplificando alguns usos e atividades em cada nível; a segunda mostra a vinculação desses níveis de incomodidade aos tipos de vias. Fonte: Adaptado do Projeto de lei do plano diretor de São José, 2004, elaborado pela UFSC.

Controle da intensidade de ocupação edilícia

Com relação ao porte da edificação, este é controlado através de índices que estabelecem, nos casos mais comuns, os seguintes limites:

  • Número máximo de pavimentos e/ou a altura total da edificação;
  • Coeficiente de Aproveitamento máximo do lote (CA), que representa a área máxima possível de ser construída dividida pela área do lote;
  • Taxa de ocupação máxima permitida para o lote, correspondente à proporção da área do lote ocupada pela projeção da edificação;
  • Afastamentos frontal, laterais e de fundos;
  • Taxa de permeabilidade mínima, que estabelece a proporção do terreno que deve ser permeável à água;
  • O tamanho mínimo do lote, usado no caso de novos loteamentos ou no desmembramento de lotes já existentes.

As figuras abaixo exemplificam duas tabelas de parâmetros para o zoneamento de Santo André (plano diretor de 2004). A primeira mostra alguns índices básicos para todas as zonas e a segunda mostra alguns parâmetros adicionais para edificações residenciais.

Tabelas do plano diretor de Santo André de 2004 (Lei 8696/04). Fonte: aqui.

Ainda no caso de Santo André, mais recentemente eles optaram por uma maneira não convencional de delimitar o número de pavimentos, criando um zoneamento exclusivo (até onde pude perceber) para isso, como pode ser visto abaixo.


Mapa de zonas de gabaritos máximos do plano diretor de Santo André – 2011. Fonte: Adaptado do mapa contido aqui.