Jane Jacobs e os parques de bairro

jacobs_00 Em um post anterior sobre espaços públicos, já comentei um pouco sobre as teorias de Jane Jacobs sobre os requisitos para que as praças e parques públicos tenham vitalidade. Suas idéias são tão importantes para o Urbanismo e têm tanto impacto sobre o modo como entendemos a cidade que vale a pena aprofundar um pouco esse assunto.

Uma das suas principais contribuições foi desmantelar uma série de “verdades” consideradas intocáveis à época e que ainda hoje são consideradas válidas por uma boa parcela da população (e, infelizmente, dos tomadores de decisão). Boa parte de sua crítica teve como alvo as idéias modernistas, mais especificamente Le Corbusier e Ebenezer Howard.

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Croqui de Le Corbusier (Fonte: Benevolo, 1999) – Jacobs criticava a ideologia modernista que pregava grandes áreas verdes e edifícios isolados, com segregação de usos e separação entre a circulação de pedestres e veículos.

Segundo Jacobs, a ideologia modernista era equivocada porque defendia que…

…a rua é um lugar ruim para os seres humanos; as casas devem estar afastadas dela e voltadas para dentro, para uma área verde cercada. Ruas numerosas são um desperdício e só beneficiam os especuladores imobiliários, que determinam o valor pela metragem da testada do terreno. A unidade básica do traçado não é a rua, mas a quadra, mais particularmente a superquadra. O comércio deve ser separado das residências e das áreas verdes. (Jacob, 2001, p. 20, criticando os ideais modernistas).

Com relação aos parques urbanos, ela também construiu um argumento poderoso para destruir alguns mitos:

Espera-se muito dos parques urbanos. Longe de transformar qualquer virtude inerente ao entorno, longe de promover as vizinhanças automaticamente, os próprios parques de bairro é que são direta e drasticamente afetados pela maneira como a vizinhança neles interfere. (Jacob, 2001, p. 104)


Seu argumento é de que não basta um parque existir para garantir vitalidade para si mesmo e para o entorno. Não é possível obter valorização de um bairro simplesmente adicionando-se áreas verdes sem nenhum critério. Para que um parque de bairro funcione ele precisa ter 4 elementos:

  1. Complexidade;
  2. Centralidade;
  3. Insolação;
  4. Delimitação espacial.

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A complexidade é o elemento mais trabalhado por ela e, aparentemente, o mais importante. Nesse caso, a complexidade refere-se à diversidade de usos e de pessoas no entorno do parque, que conferem diversidade de horários e de propósitos para sua utilização.

A variedade de usos dos edifícios propicia ao parque uma variedade de usuários que nele entram e dele saem em horáriosdiferentes. Eles utilizam o parque em horários diferentes porque seus compromissos diários são diferentes. Portanto, o parque tem uma sucessão complexa de usos e usuários. (Jacobs, 2001, p. 105)

A complexidade envolve também riqueza espacial, criada por elementos tais como diferenças de nível, visuais interessantes, perspetivas variadas, agrupamentos de árvores, etc.

A centralidade refere-se a um elemento espacial central ou, mais precisamente, com hierarquia superior aos demais, para atuar como referência no espaço da praça. Ele atua como polarizador dos usos e da legibilidade do espaço, sendo reconhecido por todos como o centro da praça.

A insolação provavelmente é mais importante para os países mais frios, apesar de que mesmo no Brasil não é interessante que os parques sejam sombreados pelos edifícios vizinhos. Ao contrário, é desejado que os parques propiciem tanto boas áreas de sombra para o verão como áreas ensolaradas para os dias de inverno.

pracas_01 Por fim, a delimitação espacial segue a linha do que Camillo Sitte defendia no final do século XIX, ou seja, a noção de que os espaços abertos devem ser conformados pelos edifícios, e não serem simplesmente formados a partir dos resíduos deixados pelas configurações dos espaços fechados. Não devem, tampouco, formar imensas áreas vazias sobre as quais os edifícios se assentam, como defendia o Modernismo.

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É preciso que as praças possuam delimitação espacial fornecida pelos espaços edificados ao seu redor.

É interessante notar como as teorias de Jacobs parecem válidas ainda hoje, apesar de terem sido desenvolvidas há mais de 4 décadas e em uma realidade completamente diferente da que temos hoje no Brasil. Se observarmos atentamente as praças e espaços públicos das cidades brasileiras vamos chegar à conclusão que as teorias são bastante válidas para a nossa realidade. É muito comum vermos praças relativamente bem arrumadas e arborizadas que ficam o dia todo deserto, sem praticamente ninguém utilizando. Não por acaso, a maioria deles fica em bairros de classe média/média-alta quase que exclusivamente residenciais.

Por outro lado, em bairros em que há uma maior diversidade de usos, as praças tendem a ser mais utilizadas e a ser mais interessantes.

15 thoughts on “Jane Jacobs e os parques de bairro

  1. Zoraia says:

    Penso que para nós, no Brasil, as idéias de Jane Jacobs são mais que importantes, são chaves para o entendimento de um espaço público de qualidade, e não um acontecimento ao acaso, sobra de resíduos, com pouca ou quase nenhuma leitura estética. Creio que nós temos um sectarismo de linguagens que dificulta o acesso da informação, formação, o qualquer forma de conhecimento que leve a uma intervenção consciente sobre a cidade. Ou seja, os meios políticos, técnicos e os cidadãos se comunicam em idiomas diferentes quando se trata de discutir e finalmente intervir sobre a cidade. Exemplos como a cidade de Florianópolis, podem exprimir a dual relação entre urbanistas e políticos, o que gera como resultado a quase total falta de espaços públicos, especialmente nos bairros, onde o crescimento urbano é o resultado de Planos diretores tecnocráticos, demandas reprimidas para variados tipos de uso e liberação de investimentos privados sem base em uma leitura conceitual dos rumos da cidade. A teoria se reflete na prática, se não há temos não há rumo, há improviso, informalidade e casuísmo.

  2. Renato Saboya says:

    Concordo, Zoraia.
    Precisamos ainda botar em prática o que Jacobs nos ensinou 40 anos atrás. O que mais me deixa surpreso é que, se nós repararmos no discurso dos técnicos responsáveis pelo planejamento, veremos que muitas dessas idéias estão lá. Mas apenas na teoria. Na hora de colocar em prática, somem misteriosamente.

    Obrigado pelo comentário!

  3. Juliano says:

    Não sou urbanista, mas me interesso. Na minha cidade, Joinville/SC, a grande maioria das praças, talvez todas, carece daqueles quatro elementos listados por Jacobs. Também há casos como o seguinte: a prefeitura aproveitou espaço entre duas determinadas ruas muito movimentadas para fazer uma praça. Colocaram bancos, umas plantas baixas (não há sombra) e um busto de um militar morto que não é referência para ninguém. A praça não passa de uma ilha, delimitada por um triângulo de ruas asfaltadas e movimentadas, com a tradicional priorização dos carros nas sequências dos semáforos. Assim como para a praça são destinados sobras de espaços, aos pedestres cabem as sobras do abre-e-fecha dos semáforos. O resultado é uma praça sempre vazia, seca, mera passagem, com um obelisco alienígena plantado no meio.

  4. Renato Saboya says:

    Juliano:
    Jane Jacobs também não era urbanista, mas possuía um bom poder de observação da realidade, poder este que tornou possível tirar todas as suas conclusões. Pelo visto você também possui tal capacidade, o exemplo que você descreve parece perfeito. Praças construídas nos espaços residuais, ao invés de serem elementos organizadores dos espaços urbanos são, infelizmente, muito comuns por aqui. E os resultados estão aí pra quem quiser ver.
    Obrigado pelo comentário!

  5. Egeu Laus says:

    As editoras brasileiras não vão lançar Dark Age Ahead, de Jane Jacobs, um dos mais importantes livros sobre urbanismo escrito nos últimos tempos??

  6. Antonio Carlos Lobo Soares says:

    A definição dos 4 elementos que os parques precisam segundo Jane Jacobs se adequa muito bem a mais bela praça do Brasil (Praça Batista Campos, 2,8ha), localizada em Belém do Pará.
    Aliás, é de Belém que vem uma das mais belas definições de uso que as praças devem ter, de autoria da poeta Eneida de Morais “As praças são das crianças, dos passarinhos e dos namorados”

  7. Ednaldo Ferreira says:

    O AMBIENTE SOCIAL URBANO, AMBIENTE DA DIVERSIDADE, POSSUI DIFERENÇAS E COM ESTAS HÁ PRODUÇÃO DE CONFLITO, ASSIM, EXISTE UMA SOLUÇÃO PARA URBANISTAS: CRIAR ESPAÇOS REDUTORES DE DIFERENÇAS, ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA COLETIVA E ESPAÇOS DE ABATIMENTO DAS DIFERENCAS, COMO PRAÇAS PÚBLICAS, QUADRAS POLIESPORTIVAS, LUGARES DE LAZER, ETC. SE ESTES EQUIPAMENTOS PÚBLICOS NÃO EXISTEM, AS DIFERENÇAS SE COLIDEM, AUMENTANDO OS ATRITOS SOCIAIS E AUMENTANDO A VIOLÊNCIA. ESSES EQUIPAMENTOS PÚBLICOS SERVEM COMO ELEMENTOS PARA PRÁTICA DA CIVILIDADE. AO MOMENTO QUE JÁ EXISTE UM SENTIMENTO DE INSEGURANÇA, OS ESPAÇOS PÚBLICOS PERDEM ESTA CARACTERÍSTICA.

  8. Marco Milazzo says:

    Estou nos ultimos meses estudando mais profundamente as teorias de Jane Jacobs, e ainda tenho algumas dúvidas sobre a validade de suas observações, principalmente na realidade encontrada no Brasil, e mais particularmente no Rio de Janeiro. Gostaria que ela pudesse ter vivido para ver a realidade dos grandes condominios residenciais da Barra da Tijuca e das favelas, como a rocinha, e dizer o que pensa sobre essas duas situações em análise com suas teorias, que me parecem muito focadas na realidade dos Estados Unidos e da Europa. Tanto os moradores das favelas quanto dos condominios enormes, fechados e murados da Barra da Tijuca, acham que vivem no paraíso, no melhor lugar do mundo !

    1. Renato Saboya says:

      Marco, se quiser divulgar as conclusões do seu estudo aqui no Urbanidades, seria muito bem-vindo!

  9. Tiago says:

    Olá, sou estudante de Arquitetura e Urbanismo, você saberia me dizer, quais são as diferenças de pensamentos sobre o urbanismo segundo Jane Jacobs e Frank Lloyd Wrigth…

  10. kitty says:

    Penso que os parques e praças na atualidade precisam necessariamente serem repensados na questão da funcionabilidade, oferecendo ao publico acesso, segurança, promoção de encontros e projetos culturais e sociais, atividades esportivas etc.

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