O perigo dos objetivos genéricos

Em 1984, o psicólogo Bertram R. Forer aplicou um teste a um grupo de estudantes, e lhes deu um resultado que, supostamente seria uma descrição de sua personalidade:

Você tem necessidade de que outras pessoas gostem e admirem você, e tem a tendência de ser auto-crítico. Apesar de ter algumas fraquezas de personalidade, normalmente consegue compensá-las. […] Às vezes você tem sérias dúvidas se tomou a decisão correta ou se fez a coisa certa. […] Às vezes você é extrovertido, afável e sociável, enquanto que em outros momentos você é introvertido, cauteloso e reservado.. Algumas de suas aspirações são irrealistas.

O resultado foi que, numa escala de 0 a 5, a média de identificação com a descrição foi de 4,26, apesar de o mesmo “resultado” ter sido apresentado a todos os alunos.

O segredo é que o texto foi produzido de modo a abranger todos os extremos de cada aspecto citado (extrovertido e introvertido, por exemplo), e citou características que são comuns à maioria das pessoas.

visao_01
Imagem: Flickr – !anaughty!

Em planejamento, situações semelhantes podem acontecer. Uma analogia imediata são as definições de “visão”, características do planejamento estratégico. Normalmente elas são tão genéricas e abrangentes que fazem muito pouco no sentido de diferenciar um município de outro quanto aos seus objetivos para o futuro.

“O múnicípio xxxxxx será referência em qualidade de vida e desenvolvimento social, atingindo altos níveis de desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental, promovendo a cidadania e a valorização do ser humano…”

Convenhamos, um visão desse tipo pode ser utilizada por qualquer município.

arvores_01E por falar em sustentabilidade, este é um tema recorrente nas visões e objetivos dos Municípios atualmente, apesar (ou talvez exatamente por causa) de sua difícil definição. Grupos com interesses tão antagônicos como os sindicatos da construção civil e os movimentos comunitários pregam a sustentabilidade. Isso acontece porque o termo é utilizado sem uma definição mais precisa do que, em termos concretos, ele significa. Ou seja: o que é preciso fazer para atingir a sustentabilidade? Quando se discute os meios, as concordâncias são muito menores.

poluicao_01
Foto: Flickr – frozenchipmunk

Quando se diz que em algumas áreas o índice de aproveitamento vai ter que ser reduzido, porque a infra-estrutura não dá conta do aumento da densidade previsto e isso está poluindo as águas, os construtores subitamente são contra a sustentabilidade, apesar de não dizerem isso abertamente. Por outro lado, quando se diz que uma comunidade vai ter que ser adensada porque lá existe infra-estrutura, e é preciso evitar que a ocupação se torne muito espalhada, destruindo mais área verde, os movimentos comunitários de repente também se tornam contra a sustentabilidade.

Tudo isso não quer dizer que eu seja contra os objetivos genéricos (muito menos contra a sustentabilidade), e sim que, na minha opinião, eles são de pouca valia se não forem corretamente desenvolvidos, aprofundados e definidos. Isso inclui definir também os meios necessários para alcançá-los. Assim, os objetivos genéricos funcionam como deveriam: como direções a serem seguidas, diretrizes para o estabelecimento de ações que vão nos ajudar a alcançar nosso desejos. E, afinal de conta, não é disso que se trata o planejamento?