Dia desses, em uma oficina de elaboração da pré-proposta de um PDP, ouvi o seguinte argumento de um dos participantes:
“Precisamos de muros altos nas nossas casas, porque o progresso traz insegurança.”
Falácias: é preciso saber identificá-las. Foto: takomabibelot
Essa frase é uma representante típica de uma situação muito comum quando lidamos com tomada de decisões em conjunto. Por envolver intensa argumentação e defesa de pontos de vistas diferentes e conflitantes, nesses processsos constantemente nos deparamos com as falácias. Por isso, é importante saber identificá-las para não cair nas suas armadilhas.
Falácias
Falácias, segundo a Wikipedia, podem ser definidas da seguinte maneira:
Uma falácia é um componente de um argumento que pode ser demonstrado como falho em sua lógica ou em sua forma, e que portanto invalida o argumento como um todo.
As falácias normalmente apresentam problemas na sua lógica, mas também podem explorar falhas emocionais ou intelectuais dos interlocutores, bem como apelo às relações de poder existentes, ao patriotismo ou à moralidade.
Tipos de falácias
Generalização precipitada – tentar identificar ou atribuir características ou comportamentos a um grupo baseado em poucas observações sobre alguns de seus membros.
Falácia de composição – concluir que uma propriedade das partes deve ser aplicada ao todo. “Os átomos não são visíveis a olho nu. As pessoas são compostas por átomos. Portanto, as pessoas não são visíveis a olho nu.“
Considerações puramente pessoais – consiste em responder a um argumento com base em considerações sobre a pessoa que 0 defende, e não sobre o argumento em si.
Apelo à popularidade – consiste em defender que um argumento é válido pelo fato de que muitas pessoas acreditam nele. A maioria das falácias citadas na seção seguinte fazem parte desse tipo.
Falácia do medo – consiste em utilizar relações de poder para intimidar as outras pessoas, “obrigando-as” a acreditar no argumento.
Falácia da consequência – consiste em tirar conclusões de uma premissa que, na verdade, não suporta tais conclusões. “Se eu ficar gripado, tenho dor de garganta. Eu tenho dor de garganta. Portanto, estou gripado”.
Ignorar a exceção – consiste em fazer uma generalização que ignora as exceções. “Cortar pessoas é crime. Cirurgiões cortam pessoas. Portanto, cirurgiões são criminosos“.
Inverso de ignorar a exceção – constrói o argumento de um caso específico, aplicando-o a algo mais geral. “Se permitimos que pessoas com glaucoma usem maconha, então devemos permitir que todo mundo utilize maconha”.
Falácias comuns em planejamento
1. Se diminuirmos o número máximo de pavimentos permitidos estaremos regredindo.
Esse argumento, normalmente veiculado sem nenhum desenvolvimento mais profundo, adota como premissa a idéia de que prédios altos e alta densidade são sinônimos de progresso. Afinal, se prédios mais baixos são considerados “regresso”, então entende-se prédios mais altos como “progresso”. Será que é mesmo?
Desenvolver-se não é, necessariamente, crescer, pelo menos não o crescimento quantitativo bruto de população. Diminuir as desigualdades, criar espaços agradáveis e saudáveis, com qualidade de vida, são elementos de desenvolvimento que não estão necessariamente atrelados ao crescimento.
Balneário Camboriú: símbolo de progresso? Foto: Andréia
2. Se não aumentarmos o tamanho do perímetro urbano vamos impedir o desenvolvimento do município.
Essa falácia, intimamente ligada à anterior, também defende o crescimento como sinônimo de desenvolvimento. E, no entanto, na imensa maioria dos casos o perímetro que se quer aumentar é suficiente para acomodar duas ou três cidades iguais à que hoje se acomoda confortavelmente em uma (pequena) parte do perímetro urbano.
Em cidades com 2 ou 3% ao ano de crescimento e uma estrutura já dispersa, de baixíssima densidade, não não há absolutamente nenhum motivo para aumentar seu perímetro. Isso só tende a reforçar essas características e, com isso, aumentar o custo da infra-estrutura, segregar as comunidades, aumentar as distâncias a serem percorridas e consumir áreas rurais desenfreadamente.
Felizmente, é uma falácia que pode ser combatida com alguns cálculos e previsões de crescimento. Números são instrumentos valiosos para combater falácias.
3. Para resolver o problema do trânsito precisamos criar mais avenidas / túneis / viadutos.
Já está comprovado que os investimentos nesse tipo de infra-estrutura viária tornam o espaço da cidade mais atraente para os automóveis, o que traz ainda mais carros para as ruas.
Considerando que os carros ocupam, em média, 8 vezes mais espaço do que os ônibus para transportar o mesmo número de pessoas, é fácil concluirmos que essas medidas não trarão os efeitos desejados. Transporte coletivo não apenas deve, mas tem que ser, a alternativa, mesmo para as pequenas cidades.
Comparação do espaço consumido para transportar o mesmo número de pessoas – carros, ônibus, bicicletas.
E para finalizar, voltemos à falácia inicial.
4. Precisamos de muros altos nas nossas casas, porque o progresso traz insegurança.”
É óbvio que, se traz insegurança, não pode ser chamado de “progresso”. Esta, felizmente, foi possível desmascarar.
Gostei das argumentações
Quanto mais o público aprende, mais se defende contra interesses que ferem a sublimidade conceituais. Sou simpático a adaptações, mas nunca à exploração. O conflito de interesses entre as classes (que são povo) fere os princípios dando azo a falácias.
Isso mesmo. O aprendizado com os processos participativos, aliás, talvez seja seu maior ganho. As discussões servem para fazer a informação (e o conhecimento) circularem, gerando novas formas de ver e entender a cidade e, portanto, gerando novas formas de nela intervir.
É preciso que se tenha em mente que em nossos tempos (infelizmente) não é o conhecimento técnico que torna possível construir cidades melhores. É aviltante verificar que lideranças políticas sem nenhum preparo são na realidade as condutoras da maioria dos processos de urbanização de nossas pequenas cidades. Não há argumento que impeça a vontade do administrador público em colaborar com a especulação. Talvez devessemos aprender a votar melhor. De qualquer maneira, são contra-argumentos inteligentes. Parabéns
Jorge:
Concordo contigo que lideranças políticas despreparadas e/ou mal intencionadas têm um peso enorme na condução dos processos de desenvolvimento e crescimento urbano. Mas acredito que mesmo assim (ou talvez exatamente por isso), como técnicos, temos o dever de lutar para mudar essa realidade, ou pelo menos tentar contribuir um pouquinho com o esclarecimento de alguns pontos ou idéias equivocadas.
Vejo isso como um processo de longo prazo, algo que temos que semear agora para quem sabe nossos netos colherem os frutos, mas é um trabalho necessário. Aos pouquinhos vamos melhorando! É preciso acreditar…