Advocacy planning

O artigo “Advocacy and pluralism in planning“, publicado originalmente em 1965, pode ser considerado um dos grandes clássicos da teoria do planejamento. Para comprovar isso, basta notar que praticamente todas as compilações recentes de textos sobre planejamento o incluem.

Nele, Paul Davidoff faz uma defesa do pluralismo no planejamento urbano, entendido como a possibilidade de que vários grupos de interesse façam suas próprias propostas de planos de desenvolvimento urbano, sem dependerem necessariamente da iniciativa do Poder Público. Quando este tem o monopólio sobre a proposta de planos, o debate fica limitado, uma vez que a população pode apenas “reagir” ao invés de “propor”:

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Foto: Gaetan Lee.

A dificuldade com os atuais programas de participação popular é que os cidadãos normalmente reagem aos programas das agências ao invés de propor seus conceitos de objetivos mais apropriados e ações futuras. (DAVIDOFF, 2004, p. 46 – grifo no original)

A chave para entender o conceito de advocay planning é o conceito de “alternativas”, que é um elemento importante na teoria do planejamento. O planejamento racional, por exemplo, sugere que o processo de planejamento deve seguir os seguintes passos (McLoughlin, 1969):

  1. Avaliação preliminar;
  2. Formulação dos objetivos;
  3. Descrição e simulação do sistema;
  4. Definição de alternativas (cursos de ação);
  5. Avaliação das alternativas;
  6. Seleção das alternativas;
  7. Implementação.

As alternativas, portanto, são hipóteses de caminhos a serem seguidos para alcançar os objetivos desejados. Em um plano diretor, cada alternativa é composta, na verdade, por um conjunto de sub-alternativas. Por exemplo:

  • Alternativa 1 – Crescer a oeste do Município, mantendo a densidade atual como está e incentivando a implementação de sub-centros onde atualmente está a periferia;
  • Alternativa 2 – Conter o crescimento periférico e incentivar a ocupação dos vazios urbanos já existentes dentro do perímetro urbano, incentivando também as centralidades locais.

Quando o autor diz que é necessário levantar alternativaS, no plural, ele defende que várias possibilidade devem ser levantadas e avaliadas, em termos de suas conseqüências, para que o melhor curso de ação seja escolhido. Acontece que, na prática, os órgãos de planejamento, que de certa forma detêm uma espécie de “monopólio” na proposição de diretrizes urbanas, apresentam apenas uma única alternativa.

Caso apresentem mais de uma, possuem normalmente uma predileção por uma delas e, por isso, acabam defendendo-a com mais afinco do que as outras possibilidades. Davidoff defende que essa postura reduz a riqueza dos debates e que, portanto, deveria haver um embate legítimo entre propostas defendidas por atores distintos que, dessa forma, fariam todo o esforço para defender suas proposições e explorar as conseqüências das suas alternativas e das alternativas apresentadas pelos outros atores.

Segundo ele, essa prática poderia trazer três vantagens principais:

  1. O público seria mais bem informado sobre as alternativas existentes, e essas alternativas seriam fortemente defendidas por seus proponentes. Ao contrário das alternativas secundárias mostradas pelas agências de planejamento, nas quais elas próprias muitas vezes não acreditam e, portanto, não apóiam com justificativas robustas, no caso do planejamento com pluralidade as alternativas à proposta do órgão oficial seriam intensamente defendida pelos proponentes, que se empenhariam em justificá-las.
  2. O Poder Público seria obrigado a competir com outras propostas em busca de apoio. Portanto, a tendência é que trabalhem melhor suas próprias propostas. Atualmente, por deterem o “monopólio” sobre a proposição de planos, essa preocupação não é tão grande.
  3. Aquelas pessoas que apenas criticam os planos oficiais agora seriam obrigadas a oferecer alternativas superiores a eles.

Dentro desse contexto, o planejador não é mais um ator buscando a neutralidade, mas um ator que toma partido, que defende certos pontos de vista, à maneira de um advogado (por isso o nome “advocacy planning”).

O planejador advocatício [advocate planner] seria mais que um fornecedor de informação, um analista das tendências atuais, um simulador das condições futuras, e um especificador de meios. Além de levar a cabo essas partes necessárias do planejamento, ele seria um propositor de soluções específicas relativas ao conteúdo [specific substantive solutions] (DAVIDOFF, 2004, p. 44 – grifo no original).

Em tempos de planejamento participativo, esse texto é muito atual, pois nos dá algumas pista de como podemos superar a passividade da sociedade em relação às propostas, em direção a uma posição mais ativa (e comprometida) com relação ao futuro das nossas cidades.

Referências Bibliográficas:

DAVIDOFF, Paul. Advocay and pluralism in planning. In: STEIN, Jay. Classic readings in urban planning. Chicago: Planners Press, 2004. p. 41 – 52. (Artigo publicado originalmente em 1965).

MC LOUGHLIN, J. Brian. Urban & regional planning: a systems approach. London: Faber and Faber, 1969.

2 thoughts on “Advocacy planning

  1. felipe manhães says:

    Infelizmente o fato do texto ser ainda atual significa que não foi levado em consideração na maioria das oportunidades, por isso o presente não o tornou obsoleto. Vermos o dia em que os problemas serão outros?

  2. Renato Saboya says:

    Olá Felipe!
    Desculpe por demorar a responder, mas meu servidor classificou o pedido de moderação como Spam e só fui ver agora… mas já está liberado, e espero que não haja mais problemas.

    Concordo contigo, apesar de que alguns textos são “clássicos” justamente por defenderem argumentos que resistem ao tempo. Acho que é o caso deste.

    De qualquer forma, já poderíamos ter avançado bem mais no planejamento participativo e mesmo no entendimento do planejamento comunicativo. Ainda quero fazer um post sobre este último aqui no Urbanidades.

    Abraços!

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