Planejamento Estratégico de Cidades – parte 2

Este post é uma continuação de “Planejamento estratégico de cidades – parte 1”, onde vimos uma definição do planejamento estratégico aplicado aos sistemas urbanos, suas etapas e algumas críticas que têm sido feitas sobre a forma como ele tem sido aplicado em algumas cidades. Apesar de essas críticas serem pertinentes e importantíssimas para uma avaliação crítica do planejamento estratégico, uma observação cuidadosa vai demonstrar que elas se referem não ao processo em si, com ele é defendido pelos seus autores, mas à maneira como ele tem sido levado a cabo e efetivado na prática.

É possível separar as críticas em duas categorias distintas. A primeira delas refere-se ao conteúdo dos planos estratégicos e, por conseqüência, aos valores e princípios que nortearam a sua concepção. Referem-se portanto ao aspecto “substantivo” do planejamento estratégico, e não ao aspecto “processual” (CAMPBELL, 2003). Quando Vainer critica a “venda” da cidade aos empresários, mais do que criticando a venda em si, ele está questionando a quem a cidade está sendo vendida. Como ele mesmo ressalta, a cidade pode ser vendida aos idosos, que procurariam lugares calmos, ou aos jovens, que dariam preferência àqueles lugares que oferecessem entretenimento. Entretanto, na prática isso não tem acontecido e, como aponta Vainer, os atributos valorizados para facilitar a venda têm sido, invariavelmente, aqueles mais interessantes ao capital transnacional.

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O mesmo acontece com relação à adoção, como princípios fundamentais, da “produtividade, competitividade e a subordinação dos fins à lógica do mercado” (VAINER, 1999, p. 8). Mais uma vez a crítica refere-se aos valores utilizados e às alternativas adotadas em casos específicos, e não a um defeito do planejamento estratégico enquanto conceito nem enquanto processo.

O segundo grupo de críticas refere-se a aspectos processuais mas, mais uma vez, limitam-se ao modo como o processo foi (ou tem sido) conduzido em casos concretos, específicos. Com relação à participação dos atores, por exemplo, o Planejamento Estratégico defende explicitamente (ao menos na teoria, é claro) que todos os atores que de alguma maneira sejam afetados pelos resultados do plano participem da sua elaboração. Entretanto, na prática, não é isso que tem acontecido, pois a preferência é dada àqueles atores mais importantes do ponto de vista do desenvolvimento econômico, o que inevitavelmente acabará introduzindo distorções nos valores adotados.

Souza (2003, p. 137) chega à mesma conclusão quando faz uma análise do que ele chama de “perspectivas mercadófilas”:

Ipad O enfoque chamado de estratégico tem, muitas vezes, andado associado à perspectiva “mercadófila” neoconservadora, mas seria incorreto, por diversas razões, tomar o primeiro como sendo idêntico ao segundo.

Segundo ele, a expressão planejamento estratégico tem abarcado coisas distintas. Se, por um lado, ele tem sido caracterizado pelo conservadorismo empresarialista, por outro lado existem exemplos de aplicações progressistas do planejamento estratégico, como o desenvolvido por Carlos Matus no Chile, que teve nítida influência na administração petista em Porto Alegre a partir de 1989. Isso provaria que, em ambientes críticos, o conceito de planejamento estratégico pode florescer com nuances mais inclusivas e afastadas dos valores neoliberais.

Em qualquer abordagem de planejamento que se adote sempre existirá o planejamento “bem feito” e o planejamento “mal feito”. O fato de os conceitos do planejamento estratégico terem sido utilizados, num grande numero de situações, para expressar valores no mínimo contestáveis não significa que a abordagem, enquanto conceito, não possua virtudes que possam ser apropriadas e ajustadas para tornar o planejamento mais eficiente e mais eficaz. Demonstrar esse ponto de vista é o objetivo do terceiro e último post, em breve.

Referências bibliográficas:

CAMPBELL, Scott. Green cities, growing cities, just cities? Urban planning and the contradictions of sustainable development. In: CAMPBELL, Scott; FAINSTEIN, Susan. Readings in planning theory. Malden: Blackwell Publishing, 2003. p. 435 – 458.

SOUZA, Marcelo Lopes. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

VAINER, Carlos. Pátria, Empresa e Mercadoria. Notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 1999, Porto Alegre. Anais eletrônicos… Porto Alegre: UFRGS, 1999.

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5 thoughts on “Planejamento Estratégico de Cidades – parte 2

  1. joseane says:

    Sou mestre em planejamento urbano. Fiz minha dissertação de mestrado sobre Planejamento Estratégico de Cidades, onde estudei e comparei os casos de Belém do Pará e Rio de Janeiro e posso afirmar que existe sim uma grande distorção e confusão no conceito no conceito do que venha a ser e de como se aplica o planejamento estratégico na realidade brasileira, muitos ainda o confundem com marketing.
    Quero agora fazer doutorado e escrever minha tese sobre marketing público para acentuar e explorar essa diferença.
    Um abraço

  2. Lucas Milher says:

    Um bom exemplo de Planejamento Estratégico no setor público é uma certa ideia geral que tem surgido depois do Choque de Gestão do Aécio Neves aqui em Minas. Reitero, até a respeito da administração pública, a opinião expressa por você no post. O Planejamento Estratégico em si não é o vilão em si, mas sim como se encara ele. No caso mineiro da administração pública, os projetos escolhidos e manejados nesse sistema, ainda que contem com os aspecto negativo do marketing, tem ajudado a melhorar bastante no Estado, o que inclue até mesmo a criação da Agência Metropolitana de BH. Contudo, devo demonstrar minhas profundas ressalvas com essas teorias importadas da aplicação no setor privado como se fossem as mais modernas e as mais “espertas”, porque as empresas se mantém por elas. Acho que as lógicas são bastante distintas para aplicarmos a qualquer caso. De toda forma, no setor público, tendo representatividade, acho que tudo vale…

    1. Renato Saboya says:

      Concordo. Acho que o planejamento estratégico tem muita coisa boa. Tudo depende dos valores que estão sendo usados como base em cada aplicação específica.

  3. Geise says:

    Ola Rentato, estou escrevendo minha dissertação de mestrado na Unicamp e gostaria de citá-lo. Este texto do planejamento estratégico é retirado de alguma tese sua?? Como poderia citá-lo???
    Att,

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