“É impossível esperar que uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, possa produzir cidades que não tenham essas características”. (MARICATO, 2001, p. 51)
Villaça (2001) argumenta que uma das características mais marcantes das metrópoles brasileiras é a segregação espacial das classes sociais em áreas distintas da cidade. Basta uma volta pela cidade – e nem precisa ser uma metrópole – para constatar a diferenciação entre os bairros, tanto no que diz respeito ao perfil da população, quanto às características urbanísticas, de infra-estrutura, de conservação dos espaços e equipamentos públicos, etc.
“[…] a segregação é um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole.” (VILLAÇA, 2001, p. 142 – grifo no original).
E no entanto, a segregação urbana traz inúmeros problemas às cidades. O primeiro é, obviamente, a desigualdade em si. Camadas mais pobres da população, com menos recursos, são justamente as que gastam mais com o transporte diário, que têm mais problemas de saúde por conta da falta de infra-estrutura, que são penalizadas por escolas de baixa qualidade, e assim por diante. A própria segregação é não apenas reflexo de uma condição social, mas um fator que contribui para tornar as diferenças ainda mais profundas.
Além disso, a segregação tende a enfraquecer as relações sociais, o contato com o diferente e a tolerância. Crianças criadas em condomínios fechados muitas vezes não têm praticamente nenhum contato com as áreas mais pobres da cidade. Que tipo de visão ela terá sobre as desigualdades sociais no futuro? Como ela irá encarar essa desigualdade, e a que causas atribuirá? Será que terá o desejo de contribuir para diminuí-la, e como poderá fazer isso?
Com isso vem a violência. A segregação espacial aumenta a sensação de desigualdade e pode contribuir para uma maior violência urbana.
Tipos de segregação
Existem vários tipos de segregação: etnias, nacionalidades, classes sociais. Esta última é a que domina a estruturação das metrópoles brasileiras (VILLAÇA, 2001).
Lojikine (1997) identificou três tipos de segregação:
- uma oposição entre o centro e a periferia;
- uma separação cada vez mais acentuadas entre as áreas ocupadas pelas moradias das classes mais populares e aquelas ocupadas pelas classes mais privilegiadas;
- uma separação entre as funções urbanas, que ficam contidas em zonas destinadas a funções específicas (comercial, industrial, resdencial, etc.)
É possível distinguir ainda entre a segregação “voluntária” e a “involuntária”. A primeira refere-se àquela em que o indivíduo ou uma classe de indivíduos busca, por iniciativa própria, localizar-se próximo a outras pessoas de sua classe. A involuntária, ao contrário, é aquela em que as pessoas são segregadas contra a sua vontade, por falta de opção. Ambos os tipos são as duas faces de uma mesma moeda: à medida que uma acontece, a outra também acaba acontecendo.
Como acontece a segregação
O padrão mais conhecido de segregação é o centro x periferia, seguindo uma organização em círculos concêntricos. Segundo esse modelo, as classes sociais mais ricas ficariam nas áreas mais centrais dotadas de infra-estrutura e com maiores preços, e as classes pobres ficariam relegadas às periferias distantes e desprovidas de equipamentos e serviços.
Esse padrão, entretanto, não é o mais comum nas cidades brasileiras. Aqui, o padrão existente é o de ocupação das camadas de mais alta renda em setores específicos da cidade, segundo uma lógica radial, isto é, partindo do centro principal.
[…] os bairros das camadas de mais alta renda tendem a se segregar (os próprios bairros) numa mesma região geral da cidade, e não a se espalhar aleatoriamente por toda a cidade. […] Se o principal móvel da segregação fosse a busca de posição social, do status, da proteção dos valores imobiliários, ou proximidade a ‘iguais’, bastaria haver a segregação por bairro[…]; uns ao norte, outros a oeste, outros a leste e outros ainda ao sul da metrópole. Isso não ocorre, porém. (VILLAÇA, 2001, p. 150)
Essa forma de ocupação do espaço pelas camadas de mais alta renda não acontece por acaso. Observando a figura abaixo, podemos começar a ter uma idéia do porquê.
Alternativas de segregação metropolitana. Fonte: (VILLAÇA, 2001, p. 340).
A estruturação interna das cidades obedece, prioritariamente, à lógica de localização das camadas de mais alta renda. Estas procuram se localizar em áreas com boa acessibilidade ao centro principal e, ao fazê-lo, pioram a acessibilidade das outras áreas. Com o deslocamento progressivo dos serviços e equipamentos urbanos na direção das áreas de mais alta renda, a localização das outras classes vai se tornando progressivamente (relativamente) pior.
Assim, inicialmente a localização das elites tende a ser uma área próxima ao centro. À medida que o sistema urbano vai se desenvolvendo, uma série de serviços e comércios tende a se deslocar do centro principal em direção à área ocupada pelas classes mais altas. Surgem então subcentros especializados em serviços destinados a essas classes.
Além disso, os investimentos públicos também tendem a se concentrar nessas áreas, principalmente aqueles relacionados à melhoria do sistema viário e, portanto, às condições de acessibilidade (do automóvel, não necessariamente do transporte coletivo). A mesma coisa acontece com relação aos serviços públicos e edifícios administrativos.
Nesse sentido, portanto, é mais viável para as elites manterem uma estrutura similar à figura da esquerda do que à da direita. Dessa forma, é possível controlar os investimentos públicos em uma área relativamente pequena, o que não seria o caso se essas áreas estivessem espalhadas pela cidade. A criação de um conjunto pequeno de vias arteriais já é suficiente para atendê-la.
Da mesma forma, a criação de muitos (pequenos) centros de serviços destinados às elites (delicatessens, antiquários, restaurantes e hotéis de luxo, etc.) em vários pontos da cidade não seria viável. Portanto, estes se beneficiam da proximidade entre elas para poderem manter todo um conjunto de benesses urbanísticas que, de outra forma, não poderia ser mantido.
Na minha cidade, Florianópolis, essa teoria de Villaça pode ser constatada, conforme comprovado por Maria Inês Sugai (2003) em sua tese de Doutorado. As áreas de renda mais alta têm se concentrado ao norte e a leste da parte insular, ou seja, um setor específico do Município, pelo menos desde a década de 50. Isso incluiu, por exemplo, a construção da Av. Beira Mar Norte, que induziu o crescimento nessa direção, mesmo contrariando o plano diretor que dava prioridade de implantação à Via Expressa Sul e à ocupação da porção sudeste da Ilha.
Seria interessante ouvia a opinião de moradores de outras cidades. Como acontece a segregação na sua cidade?
Referências bibliográficas
LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.
Renato, moro em Barõ Geraldo, distrito situado ao norte do Município de Campinas. Assim como em Florianópolis, as camadas de alta renda em Campinas apresentam uma tendência a se concentrarem nas áreas norte (distrito de Barão Geraldo, onde está situada a Unicamp) e leste (distritos de Sousas e Joaquim Egídio, área com grndes extensões de verde e belezas naturais, que constitui, por sinal, a Área de Proteção Ambiental de Campinas). Inclusive, na minha pesquisa de mestrado, analiso os prcelamentos irregulares que vêm ocorrendo na área rural das regiões norte e leste de Campinas. São parcelamentos irregulares, destinados a produzir loteamentos urbanos para camadas de média e alta renda. O Ministério Público embargou há alguns anos atrás vários desses empreendimentos. Mas é algo muito interessante: as elites urbanas, que se segregam voluntariamente, o fazem inclusive desreipeitando a lei e ocupando áreas que deveriam ser preservadas em função das particularidades de seu sítio ambiental. Isso revela, na minha opinião, o profundo desprezo que as classes dominantes desse país têm para com nossa legislação, reforçando a idéia da professora Ermínia Maricato de que “a lei no Brasil se aplica de acordo com as circuntâncias”. Funcionários da prefeitura me informaram que juízes, vereadores, empresários influentes, etc., vêm comprando terras na APA de Campinas, o que pode criar uma situação insustentável no longo prazo, pois aquela região tende a se tornar densamente ocupada pelas camadas de alta renda que estão gradativamente migrando pra lá. Enquanto isso, as camadas de baixa renda vivem do outro lado da cidade, na zona sudoeste, em áreas extremamente degradas do ponto de vista ambiental e com uma precária infra-estrutura urbana. O Estatuto da Cidade precisa começar a ser aplicado urgentemente, para impedir que nossas cidades continuem se espraiando desnecessariamente, encarecendo os serviços urbanos e penalizando, obviamente, a população mais pobre. Os segmentos progessistas alinhados ao ideário da Reforma Urbana precisam se articular a nível nacional e local para lutar pela implementação do Estatuto, pois só a luta e a mobilização social farão com que os direitos garantidos no plano jurídico-formal sejam efetivados.
Concordo, Thiago.
A própria Ermínia Maricato pautou sua palestra na Enanpur na idéia de que a época de comemoração acabou. O Estatuto foi uma vitória, sim, mas se não o implementarmos logo, perderemos o bonde da história.
Oi Renato, lendo este artigo que você postou, fiquei pensando… e os “Bom Abrigo” construido pela administração da Angela Amin na parte norte da ilha, construido para “atender” a população de baixa renda que estava localizada nas margens da Via Expressa.
Como podemos classificar essa segregação? Eles estão em uma área considerada pelo artigo da Sugai, como areas privilegiadas.
E hoje como esta a situação destas pessoas? Voltaram para a Via Expressa?
Moro em São José/SC, a segregação aqui ocorre em vários níveis também, desde concentração nas áreas mais urbanizadas até em áreas distantes, consideradas rurais.
Gosteis das bibliografias indicadas por você ! Gosto muito do seu blog !
Renato, moro em Itapevi, extremo oeste da região metropolitana de São Paulo. A região é de topografia composta por diversos morros e morretes, alguns de inclinação muito acentuada, maior parte da cidade é irregular, muito bairros cresceram em locais de difícil acesso. O centro da cidade é um fundo de vale, é uma das poucas áreas que possui terrenos planos e concentra o comercio e os serviços.
A cidade é atendida por 5 estações de trem que vão até São Paulo, os bairros mais populosos estão distantes das estações e do terminal rodoviário, o que causa grande tráfego nas ruas do centro. Devido ao relevo, duas avenidas no centro são as rotas mais acessada tanto por pedestres como veículos. Quanto à segregação, a cidade é considerada de baixa renda, mas existem bairros de classe média e condomínios de classe alta. Os bairros de classe média estão próximo ao centro, são os mais antigos e os que estão em situação regular. Já os condomínios de alto padrão estão bem distantes do centro, ficam mais próximo à Rodovia Castello Branco, não é necessário passar pelo centro para chagar lá. A porção sul da cidade é de mata preservada, há poucas ocupações irregulares por se tratar predominantemente de a´reas particulares, ao contrário do que ocorre em outros locias mais próximo ao centro. As maiores favelas não estão na periferia. Elas se instalaram em grandes áreas públicas que nunca recebem investimentos ou qualquer destinação por parte do governo. Nas periferias é comum encontrar construções e loteamentos irregulares, mas estes são de propriedade particular.
Não indedi
coisa chata:segregaçao ne!
mais fiquem feliz eu li td pra fazer um trabalho!:(
eu acho importante só q tbm lí pra fazer um trabalho
Q merda ne!
Valdemir de Araújo
17/09/2010
Olá Renato. Sou um operário e morador de periferia, atualmente moro na periferia do centro de Guarapari, ES. Tenho me oposto a idéia de segregação no trato de questões relacionadas com a ocupação do espaço habitacional urbano. Primeiro porque me oponho as observações, descrições, comparações e tomadas de posição sobre a produção, a distribuição e o acesso a bens e serviços em geral e, em particular, ao acesso ao solo e aos serviços e equipamentos urbanos de que trata o texto com base nas idéias de desigualdades e de suas manifestações ídeológicas públicas e bastante conhecidas, que são: a idéia do mérito e do demérito pessoal e familiar; a idéia da inclusão e da exclusão social e a idéia da dádiva divina.
Creio que, quaquer que seja a forma de organização da sociedade, benefícios e sacrifícios serão distribuídos. O problema é, quem decidirá quem (que indivíduos, famílias, camadas sociais ou etnias) ficará com os benefícios e quem (que indivíduos, famílias, camadas sociais ou etnias) ficará com os sacrifícios. No brasil, os beneficiários pertencem sempre as mesmas camadas sociais e etnias, enquanto que, os sacrificados pertencem, na sua maioria a mesma camada social, mas, a etnias diferentes. Porém, a diferença entre os que moram bem e os que moram, mal não reside no fato, de morar bém ou mal. Mas sim, no fato de que, os quue moram bem, além de morar bem, ainda apropriam-se dos melhores serviços de saúde destinados ao combate de doenças próprias de ambientes insalúbres
Creio que desde que Marx começou a observar “os indivíduos produzindo em sociedade”,, deixou claro, que os bens e serviços são produzidos para a sociedade e não para o mercado, nem para indivíduos, famílias, camadas sociais ou etnias determinadas.
Não podemos esquecer também, que, tanto a produção quanto a distribuição e o consumo são mediados pelas formas de posse e gestão dos estabelecimentos produtores e distribuídores de bens e serviços. Nos dias de hoje não mais pela propriedade privada psrticular burguesa (do dono), mas, pela propriedade coletiva e privada burguesa(dos acionistas e da Fração Ideal). Logo, as condições do espaço e da moradia das camadas de renda positiva (rendas altas e médias) relaciona-se com o fato de os indivíduos destas camadas deterem a posse e o controle (administração) dos estabelecimentos produtores e distribuidores de ens e serviços públicos e privados. Ao passo as condições do espaço e da moradia das camadas trabalhadoras de renda negativa (rendas baixas e extremamente baixas) relaciona-se com o fato de os indivíduos destas camadas não deterem nem a posse e nem o controle (administração) destes estabelecimentos.
Tenho observado que, do ponto de vista urbanístico
o modo de morar dos mais ricos( dos benediciiários) tem sido orientado no sentido de separar,-e não segregar- a moradia do conjunto de atividades que leva o “caos” urbano para o espaço habitacional: transito desordenado, segurança pública armada, templos religiosos, comércio diversificaso, grupos de extermínios e comércio varejista de drogas com seusacertos de contas. Pouco importa a sua localização.
Do ponto de vista econômico, tem sido orientado no sentido de reduzir-lhes os custos no modo de morar. Morar bem será sempre maís econômico do que morar mal..
super importante,gostei de mais tirei minhas dúvidas,!!
Olá, achei legal o seu conteúdo, porém, gostaria que você me enviasse algo mais falando sobre a autossegregação espacial.
Grato!
Jailton
Renato adorei seu texto simples e esclarecedor se puder me add,sou professora de Geografia em Jales,SP abraços….
Nossa muito bom esse texto.
Ajudou e muito nas minhas pesquisas.
q saco
ñ achei nada q tava procurando
q saco
renato o texto tava mt bom
so q ñ achei o q tava procurando
renato o texto tava mt bom
adorei Renato o texto é otimo aprendi muita coisa
Renato queria que fornece como que poderai citar minha bibliografia do meu artigo o seu artigo
estou admirado com o se trabalho.Sou um morador do subúrbio ferroviário de salvador tenho que todos os dias min deslocar do sul da cidade para o centro para trabalhar trabalho no ramo de construção civil e diariamente contrato dezenas de operários para construção de áreas residencias e prédios de luxo como o alfa vilie entendo que o que Faso como atividade de trabalho vai ajudando a piorar as condições de onde moro com posso classificar isso?
mto legal amei parabensssss
muito legal parabens pena ue eu nao achei o que tava procurando
E quando o principal fator de segregação da cidade é uma rodovia? Como no caso de Tijucas/SC em que a BR-101 corta-a bem ao meio. O lado leste (mesmo lado do mar) fica o maior e mais carente bairro da cidade, enquanto a oeste está localizado o Centro da cidade e seus bairros mais estruturados em seu entorno. Como lidar com este dilema? É possível/necessário deslocar a BR? Deve-se criar uma ligação entre os lados para que haja mudança? Ou talvez a requalificação da margem do rio Tijucas seria um impulso para futuras melhorias?
Só acontece segregação na África?