Christopher Alexander é um arquiteto austríaco criado na Inglaterra que desde 1958 mora nos Estados Unidos. Sua extensa obra inclui um pequeno artigo chamado “The city is not a tree” publicado em 1965 na Revista Architectural Forum que, apesar do pequeno tamanho, teve (e ainda tem) grande impacto no pensamento urbanístico, corroborando muitas das idéias de Jane Jacobs. (update: encontrei uma versão traduzida aqui).
Em linhas gerais, o que Alexander defendia nesse artigo era que as cidades “naturais”, que se desenvolveram espontaneamente, possuíam uma intricada rede de elementos que funcionavam de forma complexa. Esses elementos incluíam desde os maiores objetos físicos (avenidas, terminais, etc.) até os menores comportamentos (como atravessar uma rua, por exemplo, ou olhar os jornais em uma banca na calçada).
A crítica de Alexander aos modernistas referia-se à visão de que estes tinham de que os elementos da cidade deveriam organizar-se segundo uma hierarquia rígida, segundo a qual um elemento sempre deveria estar contido em um elemento mais amplo, e este em um elemento ainda mais amplo, e assim por diante. Assim, um comércio local pertenceria apenas àquela superquadra, que pertenceria somente a um determinado bairro, que teria apenas um uso predominante. Pessoas de outras superquadras “não poderiam” comprar nos comércios de outras superquadras.
Esquema “natural” (esq.) e esquema em árvore (dir.) – Fonte: Alexander 1965).
O esquema em árvore, à direita, reduz a possiblidade de combinações entre os elementos, reduzindo as possibilidades de interação e relações na cidade. Exemplos dessa estrutura em árvore são as unidades de vizinhança de algumas cidades jardim e as superquadras, concebidas para serem auto-suficientes e com poucas conexões com outras superquadras, que seria conectadas apenas por grandes vias de circulação. A figura abaixo mostra uma vista atual de Greenbelt, Maryland (USA), citada por Alexander em seu artigo. Por ela podemos perceber claramente a estrutura em árvore. Cada rua sem saída relaciona-se apenas com a via principal; os conjuntos de casas não têm relação nenhuma entre si. Em alguns casos, podem estar próximos geometricamente, mas na realidade encontram-se muito distantes se levarmos em consideração a rede de espaços públicos. Certamente essa distância física terá consequências na distância social.
Greenbelt, Maryland (USA) Fonte: google Earth.
Criticando Brasília, ele descreve o sistema de circulação do setor residencial, em que existe apenas uma via principal, que dá acesso a vias intermediárias, que por sua vez dão acesso às vias locais. Esse também pode ser considerado um típico sistema em árvore.
Brasília – Superquadras do Setor Sul. Fonte: Google Earth.
Essas estruturas em árvore, segundo Alexander, oferecem suporte apenas a uma pequena porcentagem das relações que acontecem nas cidades, uma vez que as combinações possíveis em uma hierarquia tão rígida são menores que em uma estrutura com sobreposição. Além disso, as relações sociais de hoje em dia são mais abertas que no passado, o que quer dizer que os grupos de convívio não são fechados como costumavam ser nos tempos em que as cidades eram menores e de estrutura menos complexa. Hoje, a sobreposição de relações é o mais comum, e o espaço da cidade deve dar suporte a isso.
As cidades ” não-árvores” precisarão de redes de infrs-estrutura urbana também ” não-árvores” , entre outras coisas.
Olá, Mário!
É uma honra poder contar com sua presença aqui no blog! Vc poderia desenvolver esse comentário? Sua observação diz respeito a um possível aumento nos custos? Isso vale para que tipos de infraestrutura?
Abraços!
Não se fazem cidades todos os dias,Brasília parece que incomoda a crítica especializada e leiga.
As considerações de C.Alexander são interessantes válidas e acadêmicas,Y.Friedman fala de mobilidade,enfim cada um fala o que quer.
Uma cocada não se define,come-se.Lúcio costa preferia ouvir os que la nasceram e
la vivem.
da sua maneira faz critica a cidade modernista funcionalista, assim como fez jane jacobs, kevin lynch e outros. diversidade de usos!!!
Não nasci em Brasília, mas vivo nessa cidade há 51 anos. Tive o privilégio de passar a infância na SQS 308, que é um modelo exemplar de superquadra inserida na única unidade de vizinhança completa implantada em Brasília. Comparando-a com outras áreas residenciais em cidades tradicionais no Brasil, que também conheci e morei durante algum tempo, posso dizer que não existe lugar mais aprazível e seguro para se viver a infância. Além disso, a unidade de vizinhança das SQS 308/108/307/107 proporcionava deslocamentos a pé e a curta distância para escolas (modelo de educação integral), comércio, posto de saúde, clube, cinema, biblioteca e outros equipamentos urbanos; possuía paisagismo projetado por Burle Marx e áreas de lazer de qualidade excepcional. Tinha tudo o que se reivindica hoje em dia para uma área urbana sustentável e tem sido previsto nas cartilhas do Novo Urbanismo. Certamente é uma das melhores e raras experiências do urbanismo moderno que deram certo no mundo, mas infelizmente é um modelo que não se repetiu em outras superquadras de Brasília e muito menos no urbanismo modernista que se reproduziu no DF.
Brasília tem qualidades urbanas inquestionáveis, mas é preciso reconhecer que também padece da maior parte dos males apontados por seus críticos, como alta dispersão urbana, excessiva dependência do transporte individual, rigidez no zoneamento e setorização, má qualidade dos espaços públicos, etc. As hierarquizadas estruturas em árvore descritas por Alexander estão presentes nas superquadras de Brasília e geram dificuldades para escoamento do trânsito dos veículos de uma população altamente motorizada e dificultam as conexões urbanas e as interações sociais, como apontado pelas análises da sintaxe espacial, para citar apenas dois dos problemas por elas gerados.
Contudo, se formos perguntar aos moradores do Plano Piloto de Brasília, se eles gostam da cidade (como sugere o comentário de Jose Priester), a maior parte provavelmente diria que sim e muito. Uma expressiva parte dos moradores de Brasília veio de outras cidades e apreendeu a se adaptar às vicissitudes do seu traçado e modo de vida urbana modernistas. Os que nasceram aqui talvez sejam mais enfáticos na sua declaração de amor à cidade. Pode se dizer, assim que as qualidades de Brasília superam seus defeitos. Ou talvez, como admitiu o próprio Lucio Costa, que os moradores de Brasília “tomaram conta daquilo que não foi concebido por eles” e não era uma “flor de estufa”, adaptando-a a uma vida urbana viva e mais próxima da realidade do que a que resultou da cidade-maquete planejada.
Sérgio Jatobá