Seguindo com os posts sobre participação popular, uma objeção que com frequência é feita é a de que, com ela, é impossível chegar a resultados em tempo hábil. Isso aconteceria, supostamente, porque as assembleias e demais fóruns de discussão participativa seriam demasiado dispersos, sujeitos a toda sorte de manipulações, desvios dos assuntos em pauta, discussões paralelas, falta de foco, etc. Em post anterior aqui do Urbanidades, mostrei um esquema bastante interessante do Kaner (1996) sobre a progressão dos esforços de discussão:
No modo tradicional, cada novo assunto é iniciado e, logo em seguida, há uma ansiedade para que ele seja encerrado com algum tipo de decisão. Obviamente, isso cria problemas de entendimento, de supersimplificação e de falta de comprometimento para com a decisão tomada. De certa forma, explica as críticas que Vainer (2000) faz ao planejamento estratégico e seu consenso empurrado goela abaixo dos participantes. Outra maneira tradicional segundo a qual esses processos se desenrolam é chegar até a zona de discussão e então arrastar-se indefinidamente por ela, esgotando prazos e impossibilitando a tomada de decisões. Essa maneira é a que está representada na crítica aos processos participativos mencionada no primeiro parágrafo.
Entretanto, há algo que precisa ser mencionado. Ainda que tais receios sejam legítimos e muitas vezes precisos em seu diagnóstico, eles não são de maneira alguma justificativa para atropelar a participação e voltar à velha postura tecnocrática que tem imperado no planejamento urbano há tanto tempo. É preciso ter consciência, por mais paradoxal que possa parecer, de que uma boa e frutífera participação popular só é possível com uma boa técnica. Ou seja: não dá para “jogar” em um salão dois ou três técnicos formados sob os paradigmas do milênio passado e esperar que eles possam improvisar uma participação popular minimamente satisfatória. Pelo menos não sem um estudo cuidadoso e aprofundado de métodos participativos, teoria do planejamento, instrumentos de interação, teoria e métodos de decisão, e assim por diante. Mesmo que esses temas não constem da formação recebida pelos Arquitetos e Urbanistas (e até hoje parecem não ter sido incorporadas aos currículos), há extensa literatura disponível e até mesmo cursos de capacitação que podem ser buscados como forma de preencher essa importante lacuna.
Em outras palavras, o que quero dizer é que grande parte dos problemas de participação popular são causados por imperícias técnicas na organização dos eventos, na forma como as contribuições são geradas e, especialmente, como são organizadas, compatibilizadas, esclarecidas, disseminadas e priorizadas. Sem isso, não há como a participação funcionar. No diagrama acima, essas etapas correspondem à zona convergente e à de fechamento.É especialmente nelas que os técnicos têm se mostrado deficientes na condução de processos participativos. Na melhor das hipóteses, apressam-se para votações, que dão a sensação de proporcionarem uma saída democrática para as decisões mas, em muitos casos, são provenientes de uma tentativa de sufocar as discussões e de evitar deliberações no sentido de interromper o processo para buscar mais informações consideradas necessárias. São, em suma, formas de evitar o entendimento pleno da questão em discussão. Na pior das hipóteses, resultam em atitudes autoritárias como as de duas gestões municipais consecutivas em Florianópolis, que dissolveram o Núcleo Gestor do PD(P?) e tomaram as decisões mais importantes do plano, estruturais, em gabinete.
Aí podemos entrar em outra discussão: será que todos os casos de imperícia que vemos por aí são realmente fruto de um desconhecimento, ou são também “incentivados” como uma forma de empurrar com a barriga as decisões até um ponto em que o processo esteja esvaziado e elas sejam tomadas por aqueles que estão à frente do processo (prefeitura, vereadores, etc.), sem enfrentar resistência? Isso deve ser analisado caso a caso, é claro, mas não tenho dúvidas de que acontece com mais frequência do que gostaríamos de acreditar.
De qualquer forma, segue um artigo publicado por mim e pela Geógrafa Eugenia Karnaukhova, em 2007, sobre a metodologia montada por nós para extrair os objetivos gerais e as principais estratégias a serem trabalhadas no PD a partir de eventos participativos. Essa metodologia não é infalível, obviamente, e por já ter quase 7 anos ela certamente pode ser atualizada, mas pode servir como base para novas metodologias, adaptadas às particularidades de cada Município. Especialmente interessante, na minha opinião, foi o trabalho com grandes temas e sua organização através de mapas de relações meios e fins. Nos eventos, essa parte mostrou-se bastante rica, com boa participação e receptividade dos participantes e com boa capacidade de esclarecer os problemas que estavam sendo tratados. A imagem abaixo ilustra um desses mapas.
Mapas de relações meios e fins para temas em um processo participativo (SABOYA; KARNAUKHOVA, 2007)
As setas foram construídas participativamente, perguntando aos participantes quais aspectos eram “causa” de outros aspectos e quais eram consequências. Com isso, a população se via obrigada a pensar um pouco mais sistêmica e globalmente, ao invés de pensar apenas naqueles problemas específicos que lhes incomodavam mais. Isso ajuda-as (e a nós também!) a perceber a trama de relações que existem nas cidades e no território, e que as ações em uma esfera possuem implicações que ultrapassam seus limites específicos, influenciando aspectos às vezes bastante diferentes à primeira vista. Aos poucos, com o auxílio de um software (Cmaps), os temas foram sendo organizados e aqueles mais gerais (mais “fim”) subiam, enquanto que os mais operacionais e específicos (mais “meio”) desciam.
Depois disso, fazíamos uma priorização preliminar dos temas (ou áreas de preocupação), seguida de uma discussão sobre o resultado, e então uma nova e definitiva rodada de priorização. Essa discussão intermediária permitia conhecer as prioridades iniciais e discuti-las, com os participantes desafiando e justificando posições. Era um dos momentos mais ricos de todo o processo, porque permitia a discussão de uma forma clara e focada, com uma referência visual que ficava acessível a todos como um quadro de referência. Não era raro que elas resultassem em mudanças na priorização final. Após esta última, os objetivos gerais eram propostos a partir dos temas situados mais acima do mapa, e as estratégias a partir dos temas localizados mais na porção intermediária (nem muito gerais, nem muito específicos).
Se tiver interessse em ler o artigo completo, é só clicar aqui:
Referências
KANER, S. et al. Facilitator’s guide to participatory decision-making. Gabriola Island: New Society Publishers, 1996.
SABOYA, R.; KARNAUKHOVA, E. Uma metodologia para a obtenção de possíveis objetivos e eixos estratégicos para planos diretores a partir dos dados da leitura comunitária. In: Anais do XII Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Belém: 2007.
VAINER, C. B. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O. B. F.; MARICATO, E.; VAINER, C. (Eds.). A cidade do pensamento u?nico: desmanchando consensos. Colec?a?o Zero a? esquerda. 2a ed ed. Petro?polis: Editora Vozes, 2000.
Renato: não sei se conhece minha proposta de Planos de Bairro, Como modo efetivo dos moradores participarem em um primeiro escalão do planejamento de sua Cidade. Como resumo no Reivente seu Bairro, Editora 34.E pratiquei para o Bairro de Perús, com 120 mil habitantes, podendo crescer para 240 mil para a Prefeitura de São Paulo, em 2009. E de como um Calculo da Capacidade de Suporte do Sistema de Circulação pode contribuir para combater a especulação imobiliária que superlota os tecidos urbanos , produzindo mal estar social e ambiental, ao mesmo tempo que prejuizos imensos de deseconomias de aglomeração, definindo por softwares adequados as densidades maximas .
Não conheço, vou procurar conhecer. Obrigado!