Ann Spirn e o ciclo das águas na cidade – Parte 2

Continuando o post sobre Ann Spirn e o ciclo das águas, esta segunda parte foca-se no planejamento e projeto de espaços urbanos sensíveis à água e seu comportamento.

Após explicar como ele acontece e os problemas advindos da urbanização e má gestão das várzeas, Spirn (1995) lista uma série de exemplos e recomendações para lidar melhor com a água nas cidades, tendo como princípios básicos:

  • Manter as várzeas livres e desimpedidas para estocar água durante as chuvas;
  • Diminuir o volume de água e a velocidade com que ela chega até as várzeas, maximizando tanto quanto possível a absorção da chuva no próprio local em que ela cai e criando estruturas que retardem o escoamento das águas, dando tempo aos rios de escoá-las sem causar enchentes.

O mais importante é manter as várzeas livres e desimpedidas, e diminuir o volume e a velocidade das águas que chegam até elas.

Para isso, a principal recomendação é a de criar parques e outros tipos de espaços públicos de uso coletivo com bastante vegetação e solos permeáveis nessas áreas de várzeas, como forma de evitar sua ocupação e impermeabilização e permitir que as águas sejam armazenadas em períodos de chuvas intensas. Um dos exemplos é o Riverway, projeto realizado no final do século XIX em Boston às margens do Muddy River. Nas imagens abaixo podemos ver seu desenho geral, acompanhando rios e lagoas, e sua aparência atual, com o rio à esquerda, caminhos de pedestres, solo permeável e árvores. A rua também pode ser vista passando pelo viaduto, em um nível acima.

Mapa geral do Emerald Necklace Parks. Fonte: aqui.
Riverway / Boston Riverway – Foto: Lorianne DiSabato.

A autora dá como exemplo também o Rio Platte, em Denver, que teve 16km de seu traçado transformados em “um parque ajardinado para esportes aquáticos, reuniões públicas, ciclismo, caminhadas e estudos da natureza” (Spirn, 1995, p. 175). Na confluência entre dois rios (abaixo), parte das obras foi feita com o cascalho que havia se depositado no leito do rio e que agravava as condições de drenagem, diminuindo sua capacidade de conter as águas em tempos de chuva. Outras obras foram feitas com o material de uma ponte que havia sido destruída por uma enchente.

Confluence Park, Denver. Fonte: Wikipedia.

Além de liberar, proteger e manter permeáveis as várzeas, outras diretrizes de projeto e planejamento defendidos por Spirn (1995) são:

  • Priorizar os problemas, enfrentando primeiro os mais críticos;
  • Planejar com cuidado a implementação e localização de novas atividades para garantir que não prejudiquem o sistema de drenagem, especialmente aquelas com potencial poluidor;
  • Planejar cuidadosamente a relocalização e a reconstrução nos períodos posteriores às enchentes, de maneira que os erros não sejam repetidos;
  • Explorar as porções do território que já sejam alagadiças para implementar infraestrutura de proteção às cheias, uma vez que esses locais já indicam como a água se comporta atualmente;
  • Estimular edificações e áreas abertas (jardins, canteiros, etc.) que retenham e reusem água;
  • Estimular a adoção de superfícies que absorvam água em estacionamentos, praças, etc.

A imagem abaixo mostra um exempo desta última diretriz: a Skyline Plaza, em uma área central de Denver. Em tempos normais, ela funciona como uma praça comum, valendo-se do elemento água para fins estéticos e de contemplação. Em tempos de chuva, ela funciona como um retentor para as águas, retardando seu despejo na rede de drenagem e ajudando a diminuir o volume que é levado para os rios.

Skyline Plaza, Denver. Fonte: aqui.

Uma observação interessante é que maioria – senão todas – dessas iniciativas se deram após enchentes que trouxeram prejuízos imensos às cidades e seus moradores. Aparentemente, só quando essas catástrofes acontecem é que há mobilização e vontade política suficiente para transformar grandes áreas em parques e outros tipos de estruturas que não sejam lotes e propriedades a serem vendidas, ocupadas e adensadas.

Referências

SPIRN, A. W. O jardim de granito. São Paulo: EdUSP, 1995.