Uma medida configuracional de segregação socioespacial residencial: CHASM

Neste artigo, publicado na Environment & Planning B: Urban Analytics and City Science, Renato Saboya (docente PósARQ / UFSC) e Otavio Peres (doutorando PósARQ / UFSC e docente UfPel) propõem uma nova medida de segregação residencial baseada no potencial de movimento, pela malha de ruas, de diferentes grupos sociais. Os autores argumentam inicialmente que as medidas mais tradicionais, baseadas em zonas, possuem diversos problemas importantes que acabam prejudicando uma correta caracterização da segregação residencial. Por exemplo:

  • Para poder medir distâncias entre zonas (e, com isso, a probabilidade de interação entre os residentes dessas zonas), elas assumem que toda a população da zona está concentrada apenas no seu centroide, ignorando o formato da zona, a área efetivamente ocupada e a possível distribuição da população em porções mais próximas de uma ou outra zona vizinha.
  • Elas consideram apenas as distâncias Euclidianas, isto é, em linha reta (Figura 1). Por esse motivo, não refletem as distâncias “reais” que os residentes das zonas precisariam fazer para encontrar pessoas de outras zonas, especialmente em contextos em que o sistema viário é muito desconectado e/ou em que há elementos naturais que atuam como barreiras ao movimento, tais como rios, morros, etc. A Figura 2 mostra um exemplo em que as distâncias são muito diferentes em linha reta (613m) ou pela malha de ruas (2470m). É uma diferença de praticamente quatro vezes!
Figura 1. Zonas (setores censitários) representados por seus centróides.
Figura 2. Exemplo de diferença entre distâncias Euclidianas (em linha reta) e pela malha viária.

O que fizemos, então, foi usar o instrumental da Sintaxe Espacial para construir uma nova medida que considerasse as barreiras e permeabilidades oferecidas pela malha de ruas mas, ao mesmo tempo, incorporasse informações sobre a localização dos diferentes grupos sociais de interesse (Figura 3).

Figura 3. A medida proposta integra a localização dos diferentes grupos sociais às análises realizadas pela Sintaxe Espacial.

Os grupos sociais, no caso, podem ser definidos por quem vai construir a medida da maneira que fizer mais sentido para seus objetivos analíticos. No artigo, eles foram divididos em baixa, média e alta renda, mas poderia ser por renda, religião, ou qualquer outro atributo de interesse e relevante como distinção. etc.

Assim, a medida Chasm considera, integradamente, a localização dos diferentes grupos sociais e o potencial de movimento em um determinado raio de análise que a malha viária proporciona.

A Figura 4 ilustra a sua construção para um cenário hipotético simplificado no qual o quadrante superior esquerdo assemelha-se a um condomínio fechado localizado em área com contraste social e o inferior direito segue uma lógica mais parecida à de uma unidade de vizinhança, com vias desencontradas ao norte e uma via bem integrada ao entorno a leste.

Figura 4. Cenário hipotético ilustrando a construção e o funcionamento da medida Chasm. Fonte: adaptado (traduzido) de Saboya e Peres (2024).

As Figuras 4 c e 4d mostram a medida de Escolha ponderada pela localização e quantidade de pessoas de baixa e alta renda, respectivamente. (Para relembrar o que mede a Escolha, veja este post.)

As Figuras 4e e 4f mostram uma medida criada especificamente para o cálculo posterior da Chasm, mas que já traz informações importantes e úteis. O “Local Con?gurational Quotient” (LCQ) representa o quanto o potencial de movimento de um grupo social está sub- ou super-representado em cada segmento de via. Valores abaixo de 1 indicam que o potencial de movimento desse grupo está abaixo do que seria esperado em uma situação de não segregação, isto é, um cenário em que todos os grupos sociais estivessem igualmente distribuídos pelos segmentos.

Em outras palavras, o LQC é o resultado da comparação dos valores de Escolha em 4c e 4d com os valores de Escolha calculados para uma situação em que todos os segmentos de via tivessem a mesma proporção de cada grupo social que a cidade como um todo, isto é, uma situação de integração total / inexistência de segregação.

Os mapas de LQC mostram bem claramente os segmentos (em tons mais escuros) em que os movimentos de baixa e alta renda são super-representados. Nesses locais, a conjunção da malha com a localização das residências facilita o movimento de um dos grupos sociais apenas.

A CHASM propriamente dita é uma medida da proporcionalidade entre os potenciais de movimento de todos os grupos sociais em um determinado segmento. Portanto, caso apenas um dos grupos sociais “domine” o potencial de movimento no segmento (isto é, seu potencial representa uma alta porcentagem do potencial total dos grupos), a CHASM será alta, indicando alta segregação. Se, ao contrário, o potencial de movimento dos três grupos estiverem mais ou menos semelhantes no segmento, a CHASM será baixa.

Aplicamos essas medidas, a título de teste e demonstração, em Blumenau (SC). Os mapas podem ser conferidos abaixo. O artigo pode ser visto na íntegra aqui. Na seção de trabalhos técnicos, do Grupo de Pesquisa Urbanidades (UFSC), fornecemos links para os mapas de LCQ e Chasm para Blumenau, SC em alta resolução.

Além disso, disponibilizamos também duas geopackages com os dados do estudo. A primeira mostra os cenários hipotéticos usados para ilustrar a medida e sua construção, enquanto a segunda fornece os dados de Blumenau.

Figura 5. Local Con?gurational Quotient (LCQ) para a baixa renda (renda per capita menor que 1/2 salário mínimo) usando Escolha (betweenness) no raio 1000m. Valores abaixo de 1 (cores mais claras) indicam que o potencial de movimento desse grupo está abaixo do que seria esperado em uma situação de não segregação. Fonte: Saboya e Peres (2024)
Figura 6. Local Con?gurational Quotient (LCQ) para a alta renda (renda per capita maior que 3 salários mínimos) usando Escolha (betweenness) no raio 1000m. Valores abaixo de 1 (cores mais claras) indicam que o potencial de movimento desse grupo está abaixo do que seria esperado em uma situação de não segregação. Fonte: Saboya e Peres (2024)
Figura 7. Chasm usando Escolha (betweenness) no raio 1000m. Cores mais claras indicam que os potenciais de movimento no raio 1000m dos diferentes grupos sociais estão relativamente equilibrados no segmento de via. Cores mais escuras indicam que o potencial de movimento no raio 1000m de um dos grupos sociais é dominante em relação ao dos outros grupos, isto é, segregação. Fonte: Saboya e Peres (2024)

Referência

Saboya, R. T. de, & Peres, O. M. (2024). CHASM: A configurational measure of socio-spatial residential segregation. Environment and Planning B: Urban Analytics and City Science, 23998083241287701. https://doi.org/10.1177/23998083241287701

Author: Renato Saboya

Arquiteto e Urbanista, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PósARQ - UFSC.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *