Ebenezer Howard e a Cidade-Jardim

Baseando-se em grande parte na observação das péssimas condições de vida da cidade  liberal, Ebenezer Howard, em livro publicado originalmente em 1898, propôs uma alternativa  aos problemas urbanos e rurais que então se apresentavam. O livro “To-morrow” (chamado “Garden-cities of To-morrow” na segunda edição, em 1902) apresentou um breve diagnóstico sobre a superpopulação das cidades e suas conseqüências. Segundo ele, essa superpopulação era causada sobretudo pela migração proveniente do campo. Era, portanto, necessário equacionar a relação entre a cidade e o campo.
Howard (1996) fez uma síntese das vantagens e dos problemas tanto de um ambiente como de outro. Ambos atuariam como “ímãs”, atraindo as pessoas para si.

Características do campo:

  • Falta de vida social;
  • Beleza da natureza;
  • Desemprego;
  • Terra ociosa;
  • Matas;
  • Bosques, campinas, florestas;
  • Jornada longa/salários baixos;
  • Ar fresco – aluguéis baixos;
  • Falta de drenagem;
  • Abundância de água;
  • Falta de entretenimento;
  • Sol brilhante;
  • Falta de espírito público;
  • Carência de reformas;
  • Casas superlotadas;
  • Aldeias desertas;
Características da cidade:

  • Afastamento da Natureza;
  • Oportunidades Sociais;
  • Isolamento das multidões;
  • Locais de entretenimento;
  • Distância do trabalho;
  • Altos salários monetários;
  • Aluguéis e preços altos;
  • Oportunidades de emprego;
  • Jornada excessiva de
  • rabalho;
  • Exército de desempregados;
  • Nevoeiros e seca;
  • Drenagem custosa;
  • Ar pestilento e céu sombrio;
  • Ruas bem iluminadas;
  • Cortiços e bares;
  • Edifícios palacianos;

Em síntese, a cidade era o espaço da socialização, da cooperação e das oportunidades, especialmente de empregos, mas padecia de graves problemas relacionados ao excesso de população e à insalubridade do seu espaço. Por outro lado, o campo era o espaço da natureza, do sol e das águas, bem como da produção de alimentos, mas também sofria de problemas como a falta de empregos e de infra-estrutura, além de uma carência de oportunidades sociais.

A chave para a solução dos problemas da cidade, segundo Howard, era reconduzir o homem ao campo, através da criação de atrativos – ou “ímãs” – que pudessem contrabalançar as forças atratoras representadas pela cidade e pelo campo. Ele argumentou que havia uma terceira alternativa, além das vidas urbana e rural, que seria o que ele chamou de Cidade-Campo (Town-Country). Nessa alternativa, os dois imãs fundiriam-se num só, aproveitando o que há de melhor em cada um deles, e dessa união nasceria “uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização”(HOWARD, 1996, p. 110).

Com efeito, a proposta de um novo tipo de cidade feita por Howard representou uma ruptura na concepção existente na época, e teve grande influência no pensamento urbanístico posterior (HALL, 2002).

O desenho da Cidade-Jardim

O modelo proposto, chamado de Cidade-jardim, deveria ser construído numa área que compreenderia, no total, 2400 hectares, sendo 400 hectares destinados à cidade propriamente dita e o restante às áreas agrícolas. O esquema feito para a cidade assume uma estrutura radial, sendo composto por 6 bulevares de 36 metros de largura que cruzam desde o centro até a periferia, dividindo-a em 6 partes iguais. No centro, seria prevista uma área de aproximadamente 2,2 ha, com um belo jardim, sendo que na sua região periférica estariam dispostos os edifícios públicos e culturais (teatro, biblioteca, museu, galeria de arte) e o hospital. O restante desse espaço central destinar-se-ia a um parque público de 56 ha com grande áreas de recreação e fácil acesso.


Esquema da Cidade-Jardim – Howard (esta imagem pode ser encontrada no banco de imagens)

Ao redor de todo o Parque Central estaria localizado o “Palácio de Cristal”, uma grande arcada envidraçada que se destinaria a abrigar as atividades de comércio e a se constituir num jardim de inverno, estando distante no máximo 558m de qualquer morador. Nesse local, poderiam ser comercializadas as mercadorias que requerem “o prazer de escolher e decidir” (HOWARD, 1996, p. 115). Funcionaria também como um jardim de inverno, onde os habitantes poderiam passear ao abrigo da chuva e contemplar a paisagem.


Esquema da Cidade-Jardim – Howard (esta imagem pode ser encontrada no banco de imagens)

Defronte à Quinta Avenida e ao Palácio de Cristal, existiria um conjunto de casas ocupando lotes amplos e independentes. Mais adiante, estariam os lotes comuns, de cerca de 6,1 x 40m, em número de 5.500. A população estaria próxima de 30.000 habitantes na cidade e 2.000 no setor agrícola. Com isso, a densidade média seria de 200 a 220 pessoas por hectare segundo Hall (2002), o que, de certa forma, contraria a noção geralmente aceita de que a Cidade-Jardim defende baixas densidades habitacionais. Entretanto, utilizando o esquema geral de Howard como base, obteve-se uma área total para a cidade de 416,83 hectares. Para uma população de 30.000 pessoas, portanto, a densidade média bruta seria de 71,97 habitantes por hectare, o que é bem inferior ao estimado por Hall (2002). Calculando apenas a área dos “setores” residenciais (incluindo a Grande Avenida), ter-se-ia aproximadamente 251,72 hectares, o que daria uma densidade média de 119,18 habitantes por hectare, que pode ser considerada uma densidade de baixa a média.

A Grande Avenida dividiria a cidade em duas partes e possuiria 128 m de largura. Ela constituiria, na verdade, mais um parque, com 46,5 ha, e nela estariam dispostas, em seis grandes lotes, as escolas públicas. Também nessa avenida estariam localizadas as igrejas necessárias para atender à diversidade de crenças existentes na cidade.

No anel externo estariam os armazéns, mercados, carvoarias, serrarias, etc., todos defronte à via férrea que circunda a cidade. Dessa forma, o escoamento da produção e a recepção de mercadorias e matéria-prima seria facilitado (e barateado), evitando também a circulação do tráfego pesado pelas ruas da cidade, diminuindo a necessidade de manutenção.

As receitas da Cidade-Jardim

A Cidade-Jardim tentava converter os lucros em ganhos coletivos.

Howard concebeu um mecanismo engenhoso para viabilizar a criação e a manutenção de uma Cidade-Jardim. Inicialmente, um terreno localizado em área rural deveria ser comprado por um grupo de pessoas, para abrigar a futura cidade. Esse terreno seria comprado por um preço baixo, compatível com o preço de terras rurais, a partir de um financiamento. O aumento do número de habitantes nessas terras seria capaz de diluir os juros do financiamento e de constituir um fundo para ir quitando aos poucos o principal. Assim, a partir de pagamentos relativamente pequenos, os habitantes da Cidade-Jardim poderiam quitar a dívida assumida e ainda obter recursos para as ações coletivas necessárias (construção de edificações públicas, manutenção dos espaços abertos, etc.).

Na área rural, a competição natural entre os produtores, as culturas e os modos de produção deveriam indicar quais produtos seriam cultivados. Aqueles que conseguissem gerar mais renda se estabeleceriam nos arredores da Cidade-Jardim. A renda, entretanto, não seria apropriada por um único indivíduo, já que a terra teria sido adquirida coletivamente. Os benefícios obtidos em termos financeiros pelo aumento do valor da terra e, como conseqüência, pelo incremento da renda fundiária, seriam convertidos em menores impostos e mais investimentos coletivos (HOWARD, 1996).

Mecanismo de crescimento

eh_sistema_cidades_01Hall (1988, 2002) destaca ainda outro equívoco no que diz respeito às interpretações da Cidade-Jardim. Segundo ele, os autores costumam descrevê-la como um espaço urbano isolado em uma grande área rural. Hall argumenta que Howard propôs, ao contrário, que um sistema de cidades fosse construído dentro de distâncias não  muito grandes. Assim, tão logo a população da primeira cidade-jardim atingisse seu máximo, outra cidade seria construída em local próximo, cuidando entretanto para que uma área rural fosse mantida entre as duas. Estas seriam conectadas por estradas de ferro, que se encarregariam de possibilitar o intercâmbio de mercadorias.

Hall (2002) mostra o que ele chama de “o diagrama perdido”, que mostra a disposição esquemática desse sistema de cidades e que consta apenas da primeira edição do livro de Howard, tendo sido suprimido nas versões seguintes.

Referência:

HALL, P. Cities of tomorrow: an intellectual history of urban planning and design in the twentieth century. 3rd ed. Oxford, UK?; Malden, MA: Blackwell Publishers, 2002.

HOWARD, E. Cidades-Jardins de amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996.

Veja também:

16 thoughts on “Ebenezer Howard e a Cidade-Jardim

  1. Erika Waleska says:

    Foi uma aula e tanto, meu seminário de THAU IV será sobre Ebenezer Howard, e vc já complementou minha pesquisa. Obrigada

    1. Renato Saboya says:

      Nãããão!!! Não se limite tanto! 🙂 Pesquise a fundo o livro, leia artigos sobre ele, busque fotos das cidades construídas, etc. etc. etc. O Urbanidades mostra apenas alguns aspectos básicos, é importante aprofundar a pesquisa.

    1. Tiago Cavalcante says:

      A dissertação da Vila Iapi está me ajudando muito. Estou projetando um bairro culturalista como exercício pra faculdade de arquitetura. Segue o Link atualizado da tese:
      http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/13963
      Não consegui acessar pelo link postado anteriormente.

      Obrigado

  2. Danielle says:

    Olá! Adorei o texto, parabéns!
    Gostaria de saber as referências bibliográficas citadas para aprofundar minha pesquisa.
    Obrigada.

    1. Renato Saboya says:

      Olá!
      Falha minha. Atualizei o post para incluir a referência.
      Obrigado!

      1. Eduardo Malvacini says:

        E o Hall (2002)? Obrigado!

  3. Raul says:

    Parabéns pelo conteúdo.
    Bem objetivo.

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