Como já mostrei em outros posts, tenho um especial interesse pela relação (muitas vezes conflituosa) entre o conceito de plano e o de projeto. O desenho urbano, por ficar na maioria das vezes entre as “escalas” (esse termo também é questionável) do planejamento urbano e da arquitetura, acaba também sofrendo pela indefinição dos instrumentos mais adequados para a sua implementação.
Além disso, o desenho urbano por sí só é uma disciplina cuja definição é problemática e sujeita a várias controvérsias. Muitas das tentativas de definição partem do que ele não é, ao invés de dizer exatamente o que ele é . Schurch (1999) nota que disciplinas emergentes, como o Desenho Urbano, carecem de definições consolidadas, e possuem referenciais teóricos vagos ou amplos demais.
Por tudo isso, achei uma referência muito interessante e que de certa forma vai de encontro às minhas reflexões sobre o assunto. O livro “Urban Design: a typology of procedures and products” (LANG, 2005)classifica os processos de desenho urbano em quatro tipos:
- Desenho Urbano “total”: uma única equipe controla todo o projeto. Esse tipo é raro de se encontrar, ao menos aqui no Brasil. Se alguém souber de algum exemplo, avise nos comentários.
- Desenho urbano “all of a piece”: neste caso, uma equipe cria um plano geral que oriente as intervenções de diversos empreendedores, cada um com sua própria equipe. Um exemplo desse tipo é o Loteamento Pedra Branca, em Palhoça, SC. Lá, uma equipe norteamericana (DPZ), com a ajuda de arquitetos brasileiros, fez um masterplan para a área. A seguir, vários escritórios de arquitetura foram contratados para projetar as quadras que compõem a proposta geral.
- Desenho Urbano “piece-by-piece”: neste caso, a produção das edificações é feita a partir de centenas ou milhares de decisões individuais que, entretanto, devem obedecer a um conjunto de normas gerais. Sendo assim, a construção de edificações é controlada por zoneamentos, incentivos e penalidades.
- Desenho Urbano “plug-in”: remete ao conceito de “acupuntura urbana”, segundo o qual intervenções pontuais no tecido urbano seriam capazes de produzir consequências benéficas para o entorno e, talvez, para toda a cidade.
Desenho Urbano “all-of-a-piece”: Loteamento Pedra Branca – Palhoça – SC.
Desenho Urbano “all-of-a-piece”: Loteamento Pedra Branca – Palhoça – SC.
Desenho Urbano “all-of-a-piece”: Loteamento Pedra Branca – Palhoça – SC.
Minha maior preocupação é com o terceiro tipo: piece-by-piece. Esse é o tipo de desenho urbano que mais afeta a sociedade como um todo, visto que os outros tipos referem-se a situações muito mais localizadas e atreladas a poucos decisores e/ou promotores. O terceiro tipo, ao contrário, deveria ser uma preocupação de toda prefeitura em relação à sua malha urbana como um todo. Entretanto, não é isso que vemos. Na imensa maioria dos casos, a legislação urbanística limita-se a definir índices genéricos de ocupação, e faz muito pouco para conduzir a produção das edificações na direção de tipologias que favoreçam a permeabilidade entre o público e o privado, a geração de olhos da rua para minimizar a insegurança nos espaços públicos, e a valorização do pedestre em detrimento do automóvel.
Em um artigo em parceria com o Prof. Vinicius Netto, fazemos uma crítica a essa grave limitação do zoneamento: A urgência do planejamento. A imagem abaixo mostra que, para um mesmo conjunto de parâmetros, é possível uma grande variedade de tipologias. Até aí não há problema; este surge porque várias dessas tipologias são agressivas ao pedestre e não incentivam a permanência e a apropriação dos espaços públicos.
Tipologias resultantes de um mesmo conjunto de parâmetros de zoneamento. Muitas delas são “anti-urbanas”.
Um caminho possível (e urgente!) é a adoção de zoneamentos mais sensíveis à forma urbana. Os Form Based Codes são muito interessantes nesse sentido, e têm me interessado muito.Um exemplo é o de Benícia, nos EUA, que estabelece diretrizes para vários aspectos das edificações, exigindo, por exemplo, que mantenham relação de permeabilidade e proximidade com a rua, usos comerciais no térreo, garagens apenas nos fundos do terreno, etc.
Referências bibliográficas
LANG, Jon. Urban Design: a typology of procedures and products. Amsterdam: Elsevier, 2005.
NETTO, Vinicius de Moraes; SABOYA, Renato. A urgência do urbanismo: uma crítica aos instrumentos usuais de planejamento. Arquitextos – Vitruvius, 2010.
SCHURCH, Thomas W. Reconsidering Urban Design: thoughts about its definition and status as a field or profession. Journal of Urban Design, v. 4, n. 1, p. 5 -28, 1999.
Prezado Renato: Acompnaho com interesse a produção de vocês aí em Santa Catarina. Leciono na UFRN há 38 anos (Estou me aposentando), mas continuarei com meu escritório e participando das nossas entidades.
Ministramos Cursos de Arquitetura Hospitalar e Arquitetura Hoteleira em todo o país (Cursos de 20 horas). Mas coordenamos um curso de especialização na área hospitalar que pode ser implantado em qualquer estado do país. (400 horas). Módulos mensais nos finais de semana (sexta à domingo). Um abraço Ronald de Góes.
muito linda, parabens
Boa noite. Eu tenho ca uma questao que foz um pouco do tema. gostaria de saber a diferenca entre parametros e indices urbanisticos, fiacaria grato se tivesse uma resposta.
A princípio não há diferença entre eles. Até onde sei esses termos costumam ser usados indistintamente. O que poderia ser alegado é que “parâmetro” é um termo mais geral, e “índice” seria um tipo específico de parâmetro, caracterizado por ser de natureza quantitativa e, talvez, expressar uma razão entre dois números (como é o caso da taxa de ocupação e do coeficiente de aproveitamento).
Gostaria de saber algo sobre desenho urbano..
O Desenho Urbano de uma forma mais resumida diz respeito à aparência e funcionalidade das cidades e, em particular, à forma e utilização do espaço publico e as suas respectivas caracteristicas fisicas em processo de desenvolvimento da urbanizacao .
Desenho urbano total = Brasilia