Mais um pouco sobre especulação imobiliária

Em outro post, falei um pouco sobre a especulação imobiliária e a segregação urbana.Neste, quero compartilhar a entrevista que concedi ao Jornal do Trem, de São Paulo, sobre o mesmo tema. As perguntas estão em negrito, exatamente como foram feitas pelo jornalista.

Primeiro quero deixar bem explicado para os meus leitores o que é especulação imobiliária. O que é esse fenômeno? O senhor pode exemplificar?
O conceito de especulação imobiliária não é consensual. Muitos usam-no para se referir à construção e comercialização de edifícios verticais, especialmente aqueles com muitos pavimentos (o que é entendido como “muitos” muda de cidade para cidade). Eu uso outra definição, que parece ser um pouco mais consensual entre os autores que abordam o tema: especulação imobiliária é a retenção de imóveis (especialmente terrenos urbanos) com a única finalidade de esperar sua valorização para revendê-los com lucros. O exemplo típico é o proprietário de vários terrenos que permanecem vazios em áreas relativamente centrais, esperando o preço subir para vendê-los a incorporadores imobiliários. O preço do terreno sobe porque ao longo do tempo a qualidade da localização vai aumentando, ou seja, a infraestrutura começa a chegar à área, assim como outros moradores, lojas, supermercados, farmácias, etc. Então, o que foi comprado como um terreno em uma área quase deserta, depois de um tempo passa a ser um terreno em uma área consolidada, muito mais próxima de conveniências de naturezas diversas do que inicialmente. Repare, entretanto, que o proprietário do terreno fez apenas um investimento inicial. A valorização propriamente dita foi fruto dos investimentos de outros atores no seu entorno.


Esquema básico de funcionamento da especulação imobiliária.

De que forma a especulação imobiliária afeta a população?
Afeta diretamente, uma vez que a retenção especulativa de imóveis cria uma “escassez artificial” de terras no mercado, o que por sua vez eleva o preço dos imóveis. Como este é determinado pela relação entre a oferta e a demanda, quando há uma diminuição da oferta (causada pela retenção especulativa), os preços sobem. Então, fica mais caro comprar sua casa, seu terreno, seu apartamento, por conta dos altos preços dos terrenos. Além disso, com a proliferação de terrenos vazios e de alto custo em áreas centrais, a ocupação acaba espalhando-se para a periferia, tornando as distâncias a serem percorridas maiores e encarecendo os custos de infraestrutura de água, esgoto, energia, etc. Esses gastos são pagos pela sociedade como um todo. Temos, então, um quadro em que uma significativa parcela da população não tem acesso à moradia, por um lado, enquanto por outro temos uma grande quantidade de terras sem uso em áreas centrais e já dotadas de infraestrutura.

Qual é, na sua visão, a solução para a especulação imobiliária? Vi que o governo pretende criar o Índice Nacional dos Preços de Imóveis. O senhor acredita que essa proposta irá solucionar esse problema?
A solução para o problema não é simples, e deve necessariamente ser buscada através de um conjunto de ações que se reforcem mutuamente. Não está claro, ao menos para mim, como será calculado esse índice, mas acredito que possa ser mais um instrumento na luta contra a especulação imobiliária, juntamente com plantas genéricas de valor, contribuição de melhoria e, especialmente, o IPTU progressivo, que impõe maiores taxas a imóveis subutilizados em áreas com infraestrutura.

Estimativas da Central de Movimentos Populares, uma Ong, afirma que há cerca de 50 mil moradias vagas no Brasil. É possível acabar com o déficit habitacional caso essas moradias fossem ocupadas?
Acho difícil, uma vez que a estimativa do déficit habitacional em 2007 era de mais de 5 milhões de domicílios em áreas urbanas, segundo o Ministério das Cidades. De qualquer forma, ocupar as moradias que estão atualmente vagas é um bom começo.