Marina Barcellos e João Pedro Boechat.
http://www.big.dk/#projects-vin
As imagens acima, em um primeiro momento, nos chamam a atenção pela similaridade da composição. Em uma análise mais cuidadosa pode-se listar ainda algumas semelhanças: ambas as fotos foram tiradas na zona portuária de cidades grandes, Rio de Janeiro e Copenhagen, respectivamente, e retratam crianças pulando no mar para se divertir e driblar o calor. Entretanto, o que realmente nos intriga e que motiva o texto que se segue são as diferenças implícitas nas imagens.
Moramos no Rio de Janeiro, onde no verão as temperaturas superam 40 graus e o inverno não chega a ser frio. Pode-se dizer que durante todo o ano temos dias de calor, e a necessidade de refrescar-se é evidente na cidade. Estamos sempre procurando sombras e gostamos de locais bem arborizados. Instalamos, indiscriminadamente, aparelhos de ar condicionado nos prédios e reconhecemos o privilégio de morar perto da praia.
Infelizmente, a Baía de Guanabara, presente em muitas paisagens do Rio, é imprópria para o banho. Assim, somente as praias oceânicas da Zona Sul e Oeste são adequadas aos banhistas, e, não raramente, as pessoas com maior renda possuem o privilégio da proximidade com a praia, ou seja, uma pequena parcela da população. Como agravante, há uma forte discriminação para com aqueles que vêm de longe para tais praias, e muitos vêem a privatização desse espaço e a redução de linhas de ônibus como uma boa solução para impedir-lhes o acesso e redução da violência urbana.
Recentemente, um jornal publicou a primeira imagem acompanhada da seguinte chamada: “Desordem no novo cartão postal do Rio de Janeiro”. Desordem por que? De fato, as águas do local são impróprias para banho. Mas então condenamos as crianças pelo simples ato de mergulhar, e perdemos a oportunidade de denunciar e cobrar uma atitude sobre o estado lastimável no qual se encontra nossa Baía. É provável que a matéria tivesse um foco diferente caso o ocorrido não fossem com crianças negras, mas com atletas, por exemplo.
Os fatos supracitados, infelizmente, retratam bem o modo como a nossa cidade prefere tratar os frutos da desigualdade: com a proibição. Sabemos que as águas são poluídas. Sabemos que não são próprias para o banho. Enquanto muitos esperam a criação de grades de proteção que impeçam o acesso ao mar para que a “ordem” na Praça Mauá seja restaurada, cidades ao redor do mundo estão caminhando na direção oposta, estabelecendo condições de balneabilidade em prol da qualidade de vida dos seus cidadãos.
Inclusão e diversidade fazem parte das propostas de utilização da frente marítima de cidades grandes como Copenhagen e Nova York. Ambas possuem projetos que apostam na construção de espaços públicos, democráticos e que combinam a natureza ao lazer urbano, transformando antigas áreas industriais em opção de lazer.
Em meados dos anos 90 a capital dinamarquesa deu seu primeiro passo em direção à despoluição de seus portos e em menos de 10 anos as águas que atravessam a cidade se tornaram próprias para banho. Ao longo da costa foram implementados diversos projetos de piscinas públicas e “praias urbanas” que hoje são um dos destinos favoritos de nativos e turistas durante o curto verão europeu.
Um desses projetos está representado na segunda imagem. Uma piscina pública, concebida pelos escritórios de arquitetura JDS Architects (Julien De Smedt) e BIG (Bjark Ingles Group), que utiliza a água dos canais que passam pela cidade para a recreação de pessoas de todas as idades. Junto com o deck e as piscinas, uma extensa área verde faz papel de nossas areias e cria um espaço de descanso para a população.
http://www.big.dk/#projects-vin
Na metrópole americana, nos chama atenção o Dryline, projeto urbano, ainda em construção, também do escritório BIG, que abrange a extensão sul da ilha de Manhattan e aposta na infraestrutura verde para proteger a cidade de catástrofes ambientais enquanto cria áreas diversas de lazer. A orla ganhou espaços de caminhada, arquibancada que protege a cidade de enchentes e áreas verdes e parques estão presentes ao longo de toda a costa, permeabilizando o solo onde hoje se encontram rodovias e áreas inutilizadas.
http://www.big.dk/#projects-hud
Nova York foi também o cenário de um projeto de designers para a criação de piscinas flutuantes que filtram a água do rio. O equipamento, aos poucos, melhora a qualidade da água enquanto serve de piscina pública, e foi financiado através de um kickstarter na internet. A intenção é que diversas dessas instalações ao longo do Rio Hudson tenham a capacidade de melhorar a qualidade da água ao longo dos anos.
http://www.hypeness.com.br/2013/07/designers-criam-piscina-flutuante-que-filtra-a-agua-do-rio-em-nova-york/
A cidade do Rio de Janeiro hoje passa por intensas transformações urbanas. Diversas obras estão sendo feitas com o intuito de preparar a cidade para os jogos olímpicos de 2016. Esta é uma ótima oportunidade para que os tomadores de decisões olhem para fora, buscando exemplos positivos e comecem a construir cidades para pessoas. Todavia, o que observamos é uma cidade que ainda investe nos carros, usa o transporte público de maneira perversa, segregando as classes menos abastadas, que constroi estádios em meio a áreas de preservação ambiental e às custas de severas remoções.
O potencial da “Cidade Maravilhosa” é indiscutível. A cidade é mundialmente conhecida pela natureza exuberante e povo receptivo. Então, porque não deixamos que essas duas características façam parte também do nosso planejamento urbano? Dessa forma poderíamos utilizar espécies nativas na construção de infraestrutura verde que ajude a cidade a conter suas frequentes enchentes. Faríamos uma cidade mais democrática e acessível. No que tange o transporte, nossos espaços públicos considerariam a escala humana e levaria em conta nosso clima.
É preciso tomar muito cuidado com o caminho que algumas metrópoles estão tomando. Gostamos sempre de olhar para fora do País e copiar tendências e estilos. Por que então quando se trata de cidade, privatizamos e segregamos ao invés de nos espelharmos nos exemplos de espaços públicos, democráticos e de arquitetura verde?
Rio, por que fazes assim?
Parabéns, Marina e João Pedro! Ensaio sensível e absolutamente correto dos pontos de vista técnico e político. Desejando que o exemplo se espalhe a todos os seus colegas, alunos da UFF e de outras universidades, e colegas de profissão, abraços, Lucia.
Excelente abordagem e sensibilidade na percepção da utilização do espaço urbano e as questões sociais mencionadas em seu texto. Compartilho sua indignação diante da falta de visão daqueles que deveriam promover mudanças que trouxessem benefícios para os cidadãos e inclusão daqueles menos favorecidos, no entanto, pessoas indignadas e que clamam por mudanças não faltam neste país. Na minha visão, a principal questão é: como transformar esta indignação e idéias em realidade? Ontem assisti um seminário na UGB onde uma antigo professor meu comparou a atuação dos urbanistas com os ambientalistas, mostrando que estes obtêm muito mais resultados do que aqueles porque fazem valer suas idéias através de leis que lhes dão respaldo para cobrarem o que lhes parece direito nas questões ambientais. No urbanismo também temos muitos instrumentos já consagrados que nos permitem esta cobrança, ou seja, exigir das autoridades o emprego correto das políticas públicas. Existe um descompasso entre o conhecimento do que deve ser feito e a concretização do mesmo. Não tenho a resposta para estas questões mas quem sabe uma mobilização da sociedade, a exemplo do que o corre no campo político, poderia dar um impulso na direção que você aponta em seu texto. Abs
Aqui no Rio, o povo é ridículo! Eu sei que tem muita gente sem educação, mas quem mora na zona sul quer ser metido e acha que manda na cidade. Como carioca que sou, sei o quanto são preconceituosos com quem mora na zona norte. Meu pai morava na zona sul, e eu na zona sorte, e muitas pessoas torciam os narizes qdo eu dizia onde morava. Nunca quis morar na zona sul por causa das pessoas. De que adianta morar no cartão postal e não ter respeito pelos outros? Temos o Parque de Madureira na Zona Norte, e duvido que alguém da Zona Sul venha para cá. Tratam os demais bairros como se todos fossem cheios de criminosos.
O Rio é xenofóbico, infelizmente. Sempre foi.