Fatores morfológicos da ocorrência criminal

Que aspectos da forma da cidade contribuem para uma maior ou menor ocorrência de crimes? Essa pergunta costuma gerar não apenas muito interesse e curiosidade, mas também despertar debates acalorados. Nos últimos nove anos tenho estudado essa relação intensamente, através de orientações de iniciação científica, mestrado e doutorado, além de projetos de pesquisa específicos sobre o assunto. Por isso, tenho realizado um esforço de mapear e processar a literatura existente em busca do que já foi estudado, o que não é pouco. Isso, aliado à complexidade do tema, resultou em um quadro fragmentado de evidências e extremamente complicado de ser organizado em um todo coerente, dificultando uma noção mais exata sobre a confiabilidade das evidências disponíveis sobre os possíveis efeitos de cada elemento da forma urbana sobre os crimes.

É isso o que um artigo publicado recentemente por mim e a Dr. Mariana Soares tenta fazer: propor um modelo lógico que estruture a discussão e a busca por evidências, na literatura, da associação entre a forma física e as ocorrências criminais.

A base dessa estrutura é um modelo das fases da ocorrência criminal dividido em quatro etapas: a seleção do alvo, o acesso ao alvo, a execução do crime propriamente dito e a fuga.

Quatro fases da ocorrência criminal (fonte: adaptado de Soares e Saboya, 2019).

A partir disso, o modelo lista os fatores que intermedeiam a relação entre a forma física e essas quatro etapas. São eles: visibilidade ao alvo, vulnerabilidade aparente, presença de pessoas (quantidade e legitimidade), acessibilidade ao agressor e vigilância natural. Esses fatores não são diretamente mensuráveis como os elementos da forma física (como muros, janelas, etc.) mas são fundamentais para a percepção do criminoso quanto às chances de o crime ser bem sucedido e para a capacidade das outras pessoas de preveni-lo.

Fatores intermediadores entre a forma física e as etapas da ocorrência criminal (fonte: adaptado de Soares e Saboya, 2019).

Por fim, vêm os elementos da forma física das cidades e das edificações. Como se vê, mesmo considerando que o modelo precisa fazer algumas simplificações para ser útil, as relações são numerosas e atuando em diferentes direções. Às vezes o mesmo elemento pode favorecer uma etapa da ocorrência criminal e dificultar outra. Por isso, nem sempre é fácil ponderar entre diferentes soluções.

Modelo estruturador completo (fonte: Soares e Saboya, 2019, p. 6).

O artigo então examina mais de 65 estudos para tentar desvendar a força dessas relações e o quanto podemos confiar que elas realmente existem. A associação entre alguns fatores e crimes parece consensual, como é o caso das barreiras visuais, enquanto outros possuem evidências mais contraditórias, como a acessibilidade de uma área, o que pode servir de guia não apenas para intervenções no espaço em diferentes escalas mas também para futuras pesquisas que tentem diminuir essas ambiguidades.

O artigo completo pode ser encontrado aqui.

Referências

Soares, M., & Saboya, R. T. de. (2019). Fatores espaciais da ocorrência criminal: Modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 11. https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.ao10