Diversidade de usos do solo e a ocorrência de crimes: testando Jane Jacobs em três cidades catarinenses

Publicamos recentemente um artigo chamado “As condições para a diversidade urbana de Jacobs: um teste em três cidades brasileiras”, em coautoria com Gustavo Peters, Bruna Kronenberger e Letícia Barause. Nele, testamos o argumento de Jacobs (2009) de que áreas com maior diversidade de usos do solo seriam mais “bem-sucedidas”. Nesta caso, optamos por contabilizar a quantidade de ocorrências criminaris para diferenciar áreas mais e menos “bem-sucedidas”. Apesar de não ser esse o único fator importante para essa diferenciação, é um dos mais importantes para Jacobs:

“O principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos” (Jacobs, 2009, p. 30).

Usamos, então, duas variáveis referentes à criminalidade: taxa de ocorrência de crimes por habitantes e por endereços. Com isso, obtivemos duas variáveis complementares, …

uma vez que nenhuma das duas consegue captar completamente todas as nuances da taxa de crimes. Por um lado, a população residente não considera a quantidade de estabelecimentos não residenciais, que podem modificar bastante o movimento de pedestres e veículos de uma área. Os endereços incluem esses estabelecimentos, mas, por outro lado, não possuem informações sobre a quantidade de pessoas residentes em cada endereço. As análises consideraram ambas as medidas para verificar se havia coincidência nos resultados encontrados para uma e para outra. (Saboya et al., 2021, p. 253)

Estudamos as três maiores cidades de Santa Catarina (Joinville, área conurbada de Florianópolis e Blumenau) usando setores censitários do IBGE. Testamos três dos quatro fatores da diversidade defendidos por Jacobs: diversidade de usos do solo, densidade populacional e tamanho das quadras. Não foi possível incluir a diversidade de idades das edificações porque não tínhamos esse dado para os três conjuntos urbanos. Para a diversidade de usos do solo, usamos quatro medidas diferentes, para “cercar” melhor a mensuração desse fenômeno, assim como no caso das taxas de crimes. Agregamos todas as variáveis nos setores e testamos também a renda per capita para verificar se estava causando alguma distorção nos resultados.

Resultados

Os mapas abaixo mostram alguns dos resultados (infelizmente o periódico só aceita imagens em preto e branco).

Em síntese, concluímos que:

  • A renda não se mostrou relacionada à ocorrência de crimes;
  • A densidade populacional estava inversamente relacionada à ocorrência de crimes, isto é, setores com maior densidade possuíam, em média, menores taxas de crimes, tanto por habitantes quanto por endereços;
  • O tamanho médio das quadras não indicou relação com a ocorrência de crimes, assim como a renda;
  • A diversidade de usos do solo mostrou relação fraca e positiva com a ocorrência de crimes, isto é, setores com maiores diversidades de uso do solo possuíam, em média, maiores taxas de crimes, mas essa relação não foi muito forte (correlações na faixa de 0,18 a 0,37).

Quanto à diversidade, os resultados foram robustos, no sentido de terem se repetido para todas as medidas de diversidade e para as duas medidas de ocorrência de crimes. Apesar de isso contrariar a crença de Jacobs (e muitos outros autores) de que a diversidade de usos do solo está associada a menos crimes, reforça outros resultados de trabalhos empíricos que examinaram a associação entre esses dois fenômenos, como por exemplo nosso trabalho com Gabriela Banki e Júlia Santana (Saboya et al., 2016). Notamos uma certa convergência na literatura sobre essa mesma conclusão no artigo com Mariana Soares (Soares e Saboya, 2019), que examina a relação de diversos fatores morfológicos com a ocorrência de crimes.

Para ler o artigo completo, basta acessar o seguinte link:

Artigo “As condições para a diversidade urbana de Jacobs: um teste em três cidades brasileiras” publicado na Revista Eure (Santiago, Chile), v47n140.

Referências

Jacobs, J. (2009). Morte e vida de grandes cidades. 2ª. ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

Saboya, R., Banki, G. H., & Santana, J. M. A. de. (2016). Uso do solo, visibilidade e ocorrência de crimes: Um estudo de caso em Florianópolis, Santa Catarina. Oculum Ensaios, 13(2). https://doi.org/10.24220/2318-0919v13n2a2990

Saboya, R., Souza, G. P., Kronenberger, B. da C., & Barause, L. (2021). As condições para a diversidade urbana de Jacobs: Um teste em três cidades brasileiras. EURE (Santiago), 47(140), 243–267.

Soares, M., & Saboya, R. T. de. (2019). Fatores espaciais da ocorrência criminal: Modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 11. https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.ao10