Planejamento Estratégico de Cidades – parte 3

Este post é a terceira parte da série sobre planejamento estratégico de cidades:

Reconhecer a importância dos elementos do planejamento estratégico pode ajudar os planejadores a fazerem planos melhores. Tentarei provar este argumento a seguir.

Orientação para ação e resultados

A orientação para a ação e para os resultados, característica do Planejamento Estratégico, pode ser absorvida pelos planos diretores para amenizar seu caráter excessivamente normativo. Isso implicaria em diminuir a importância do “que” deve ser obtido para enfocar o “como” (KAUFMAN; JACOBS, 1987, p. 31), indicando caminhos concretos para que os objetivos sejam alcançados. Nesse sentido dois aspectos devem ser destacados.

Em primeiro lugar, ganha-se controle sobre o processo de desenvolvimento urbano, uma vez que a evolução desejada pode ser controlada através de metas estipuladas e de horizontes de tempo, ou prazos, para que elas sejam alcançadas. Isso incorpora a noção de que o desenvolvimento é “dependente do caminho” (path-dependent, em inglês), ou seja, que não é suficiente estipular um estado futuro desejado e esperar que as condições do sistema urbano cheguem até ele, dentro de um horizonte de tempo indefinido, como faz o zoneamento. Ao contrário, é necessário monitorar o caminho seguido, porque as decisões tomadas a cada instante são influenciadas por aquelas que foram tomadas anteriormente.

O segundo aspecto a ser destacado é que, com esse foco no “como” atingir os objetivos, abre-se a possibilidade de uma relação mais integrada entre planejamento e gestão. Com isso, a generalidade excessiva das diretrizes e objetivos dos planos diretores apontada por Villaça (1999) deve ser combatida, a fim de que estes forneçam subsídios para a orientação das ações de gestão.

Isso vai na mesma direção do “plano de ações” proposto por Maricato (2001), que deve, entre outras coisas:

  • Superar o “descasamento” entre a lei e a gestão, prevendo a esfera operacional;
  • Sugerir a orientação dos investimentos públicos, tirando essa decisão das mãos dos interesses privados;
  • Propor um novo padrão de fiscalização, que seja aplicada a toda a cidade de forma não discriminatória e honesta.

Participação dos atores envolvidos no processo

O Planejamento Estratégico defende a necessidade da participação de todos os atores envolvidos no processo, reconhecendo que o enfoque tecnocrático é inapto para alcançar o envolvimento da população, condição essencial para o sucesso do plano.

Ao introduzir a duração e os atores como dimensões fundamentais do urbanismo, a planificação estratégica enriquece portanto incontestavelmente a visão do problema e vai no sentido de um maior realismo. (LACAZE, 1993, p. 48).

Entretanto, como foi discutido, a prática tem demonstrado que os atores que efetivamente têm participado das reuniões de planejamento estratégico são aqueles ligados ao desenvolvimento econômico e aos interesses privados de maneira geral. Para que a participação tenha legitimidade, entretanto, é imprescindível que o maior número possível de grupos sociais estejam envolvidos, e tenham direito à livre expressão de seus pontos de vista.

Retomada do projeto

Atualmente existe uma tendência de retomada da importância dos projetos em planejamento urbano (FORSYTH, 2002), ainda que em muitos casos eles sejam utilizados para criar meros cenários com a intenção de agradar aos olhos e esconder as mazelas da cidade.

Entretanto, isso não significa que os projetos urbanos não possam atuar como catalisadores das mudanças previstas pelo plano. Para isso, basta que eles estejam sintonizados com as diretrizes previstas por ele, ou, ao menos, com os princípios estabelecidos. Por isso, eles podem representar um elemento fundamental nessa nova integração que se pretende entre planejamento e gestão.

Além disso, com a valorização crescente dos espaços públicos, os projetos urbanos tendem a ganhar maior destaque. Não apenas as obras de infra-estrutura devem ser realizadas, mas também obras que ajudem a recompor tecidos urbanos fragmentados, que recomponham espaços tradicionais de trocas sociais, que criem identidade para a cidade ou para partes dela, e que – por que não? – tornem a cidade mais bela.

Análise externa

O Planejamento Estratégico incorpora a noção de cidade como parte de um contexto mais amplo, seja ele regional, estadual, nacional ou até mesmo mundial. Com isso, elimina a tendência de se analisar a cidade como um organismo estanque, fechado em si mesmo.

Entretanto, o aspecto mais interessante da análise externa é a possibilidade de expandir esse conceito para abarcar todas as variáveis que estão fora do controle do planejador, e não apenas a noção de região geográfica fora do limite territorial do município.

Dentro do conceito de planejamento strictu sensu, adotado neste trabalho, são muitas as variáveis que estão fora do controle do planejador, tais como os aspectos tributários e demais formas de incentivos às atividades econômicas, e a alocação de recursos para as áreas de educação, saúde, etc. A consciência desse fato acaba com a visão deturpada de que o planejador é onipotente, e que todas as suas decisões e recomendações serão seguidas sem questionamentos.

Por outro lado, isso não quer dizer que não há nada a ser feito com relação a esses aspectos que não estão diretamente sob o controle do planejador. Ao contrário, essa consciência introduz a possibilidade do planejador se preparar para um cenário de incertezas, ao invés de apenas ficar parado e esperar que tudo dê certo.

Um bom exemplo é o processo de aprovação do plano na Câmara. Dependendo de como ela acontecer, pode pôr por terra todo o trabalho realizado para confeccionar o plano, inclusive desvirtuando a legitimidade da participação popular. Apesar de seu uma váriável interna ao Município, ela é externa em relação aos limites de poder do planejador. Ao encarar esse fato, o planejador pode se preparar, por exemplo, divulgando o plano para as comunidades e aconselhando que essas compareçam às audiências públicas, ou mesmo agendando sessões de esclarecimentos aos vereadores sobre pontos que porventura tenham ficado obscuros.

Ênfase nos pontos críticos

O Planejamento Estratégico concentra a atuação sobre os chamados fatores-chave, em contraposição à abordagem abrangente, que realiza grandes diagnósticos e pretende atuar sobre todos os aspectos relevantes dos sistemas urbanos. Essa atitude tem se mostrado incapaz, num país caracterizado pela escassez de recursos como o Brasil, de ser eficaz no combate aos problemas urbanos.

A tendência que se verifica atualmente é a de se ater àqueles aspectos considerados mais importantes, e concentrar os esforços para resolvê-los.

As novas práticas substituem o Plano que prioriza tudo – ou seja, não prioriza nada – pela idéia do Plano como um processo político, por meio do qual o poder público canaliza seus esforços, capacidade técnica e potencialidades locais em torno de alguns objetivos prioritários. (BRASIL, 2002, p. 40).

Essas prioridades devem ser definidas caso a caso e, principalmente, com ampla participação da população.

Referências bibliográficas

BRASIL. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.

FORSYTH, Ann. Trajectories of planning theory: the 2001 ACSP anniversary round table. Planning Theory, v. 1, n. 3, p. 203 – 208, 2002.

KAUFMAN, Jerome; JACOBS, Harvey. A public planning perspective on strategic planning. Journal of the American Planning Association, n. 53, p. 23 – 33, 1987.

LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Campinas: Papirus, 1993.

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.

VILLAÇA, Flávio. Dilemas do Plano Diretor. In: CEPAM. O município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam, 1999. p. 237 – 247.

4 thoughts on “Planejamento Estratégico de Cidades – parte 3

  1. antônia says:

    oi, gostei mt do texto, ele é ótimo. estou pagando cadeira no mestrado de arquitetura e urbanismo , acho mt interessante esssa área. sou formada em Geografia na UFAL- Maceió Alagoas.

  2. Marcelo Allet says:

    Muito esclarecedor. Me ajudou muito pois sempre pensei nesta linha. como custumo dizer, não dá para atribuir à ferramenta os resultados do seu emprego. Abraços e parabéns pela enorme contribuição que este blog representa.

  3. Maria Luiza Vigó says:

    Olá Renato. Estou escrevendo meu Trabalho de Conclusão de Curso e gostaria de ter acesso ao texto integral, pois não consigo acessar a “Parte 1”. Também gostaria de saber como faço para citá-lo.
    Vi que outra pessoa fez a mesma pergunta nos comentários da “Parte 2”, mas infelizmente não consegui acessar o link.
    Agradeço desde já.

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