Mies Van der Rohe e as APPs de fundos de vale

O que dois assuntos tão diferentes podem ter em comum para acabarem em um mesmo post aqui no Urbanidades? Infelizmente, a resposta não é nada agradável: pesquisando sobre esse arquiteto alguns dias atrás, encontrei uma péssima notícia sobre uma de suas casas mais famosas, a Farnsworth House.

O projeto, localizado a aproximadamente uma hora e meia de Chicago, data de 1945, e sua construção foi finalizada em 1951. Posicionada junto ao Fox River, ela se mantém elevada a 160cm do chão, sobre uma base plana que parece flutuar. Suas paredes translúcidas procuram integrar o exterior com o interior. A casa é um dos mais importantes exemplares da Arquitetura Moderna no mundo.


Casa Farnsworth. Fonte: aqui

Pois, bem. No último dia 14 de Setembro, a casa Farnsworth sofreu uma terrível inundação, causada por chuvas intensas e consequente elevação do nível do rio. As imagens são tristemente impressionantes.

Inundação na Casa Farnsworth – 14.09.2008. Fonte: aqui

A importância das várzeas

Há um livro muito interessante chamado “Jardim de Concreto”, de autoria de Anne Whiston Spirn. Segundo Spirn (1995), um elemento-chave para a solução dos problemas de enchentes são as várzeas dos rios. Elas atuam como locais naturais para o transbordamento das águas, estocando-as provisoriamente, facilitando a absorção pelo solo e diminuindo sua velocidade. Por isso, é essencial impedir sua ocupação e conseqüente impermeabilização. Imagine o efeito agregado de milhares e milhares de casas construídas sobre as várzeas dos rios de uma cidade, cada uma com seu quintal pavimentado e sua pequeníssima área verde, quando existe. A água da chuva não tem muita alternativa de infiltração no solo, e acaba correndo toda diretamente para os rios, com os resultados que já nos acostumamos a ver…

Segundo a autora, uma alternativa interessante para essas áreas é destiná-las a parques urbanos. Dessa maneira, as várzeas dos rios adquirem um relevante valor social para a população e, em épocas de chuvas fortes, são temporariamente utilizados para estocar o excesso de água.

Legislação de APPs

Na legislação brasileira, o Código Florestal determina que no mínimo 30m de cada lado das margens do rios devem ser Áreas de Preservação Permanente. Entretanto, é fácil verificar, andando pelas cidades, que essa lei raramente é cumprida. Para complicar um pouco mais a situação, existe a lei 6766/79 que determina uma faixa de 15m de área não edificanteem cada lado do rio.

Isso dá margem para que haja contestações na justiça alegando que a faixa a ser respeitada nas áreas urbanas é a da lei 6766, de 15m, com base no argumento de que o Código Florestal deve ser aplicado apenas às áreas rurais. Essa é uma grande polêmica atualmente e há inclusive seminários nacionais feitos especificamente para discuti-la, então não sou eu quem vai dar uma resposta definitiva.

Entretanto, acho estranho que essa polêmica exista, uma vez que a lei 6766 refere-se “áreas não edificantes”, e não a APPs. A definição destas, portanto, é feita esclusivamente pelo Código Florestal, que diz expressamente que ela vale também para as áreas urbanas:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

2 – de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;  (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;  (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;  (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
[…]
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal,  e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.(Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)

Referência bibliográfica

SPIRN, Anne Whiston. O jardim de granito. São Paulo: EdUSP, 1995.

3 thoughts on “Mies Van der Rohe e as APPs de fundos de vale

  1. Meli says:

    Infelizmente percebe-se essa irregularidade constantemente no nosso Brasil. Esse exemplo da Farnsworth House de Mies Van der Rohe em Chicago, vem a mostrar que o problema se repete até em cidades de países considerados Desenvolvidos, até pelo fato de não considerarem obras como essa, de grande importância para a História e o aprendizado da arquitetura.

  2. Annibal Magalhães says:

    É provável que quando a Farnsworth foi construída não havia essa preocupação. Vejamos também o caso da Fallingwater, que ficou próxima do trecho em cascata de um curso d`água.

  3. Luiz Fernando Corrêa says:

    Ao contrário do que muitas pensam no projeto da “Farnsworth House” houve tanta preocupação com a cheia do Rio Fox, que o arquiteto elevou a casa 1,60m do chão, sobre pilotis! Em relacão a Fallingwater ela foi construída sobre uma cascata e não inundada por uma.

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